Os nomes dos movimentos são cada vez mais conhecidos: RenovaBR, Agora!, Acredito, Livres, MBL e a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps). Juntos, bancados por doações, eles ajudaram a eleger 54 políticos em 2018, sendo 30 no Congresso. Agora, deputados desses movimentos pedem aval da Justiça para deixar os partidos, já que querem votar contra a orientação de suas legendas. Em suma: um atraso como o fim da fidelidade partidária virou a nova bandeira dos grupos de “renovação política”.

Esses grupos surgidos nos últimos anos com o suposto objetivo de renovar ou “qualificar” a política se tornaram influentes a ponto de manter e orientar uma verdadeira “bancada” no Congresso e possuir orçamento superior ao de partidos tradicionais. A ascensão desses movimentos ocorreu em meio ao desgaste da classe política e das siglas partidárias. Essa atividade tem doações ilimitadas e prega a traição partidária. Faz sentido?

No cenário atual em que as siglas tradicionais dependem basicamente de recursos públicos, os grupos de renovação são custeados por doações privadas. Juntos, informam ter orçamento de R$ 29,6 milhões, superando os repasses anuais do Fundo Partidário a partidos como PSOL, Podemos, Solidariedade e Novo. O MBL – que prega a transparência – não divulgou seus dados.

Os movimentos mais estruturados atuam com foco em capacitação de quadros políticos e de formação de líderes que disputarão as eleições, por meio de processos de seleções. O curso do RenovaBR – que elegeu uma “bancada” de 17 parlamentares em todo País, sendo dez no Congresso – contabilizou neste ano 1.400 matriculados em todas as regiões do País, dez vezes mais do que o primeiro programa de formação. Cerca de 40% dos alunos não são filiados, mas há representantes de 30 partidos.

Grupo mais antigo – fundado em 2012 –, a Raps não se considera um “movimento de renovação”, mas uma “rede” para qualificar a política. Seus representantes se espalham por ao menos 16 siglas, do PSOL ao Novo. Outros grupos pretendem influenciar o processo eleitoral diretamente nos partidos. A diversidade de ideias costuma ser grande, mas a maioria dos movimentos defende ideias de cunho liberal.

Na prática, boa parte da “bancada” eleita se revela mais fiel a seu grupo ou grupos (há quem participe de dois ou mais) do que a seus partidos, usados só como meio de disputar a eleição. Tabata Amaral (PDT) e Felipe Rigoni (PSB) estão entre os deputados que contrariaram a orientação de seus partidos e votaram a favor da reforma da Previdência. Agora, tentam burlar a lei e se desfiliar sem perder mandato.

O deputado Marcelo Calero (Cidadania-RJ) – que participa de quatro grupos – admite que alguns deles, como o Livres, “exige compromisso programático. Se votar diferente da plataforma, vou ser cobrado”. O Livres tem Código de Ética e cobra mensalidades de R$ 24,90. “A gente não tem poder de orientação de voto. Trabalhamos na esfera da influência”, tergiversa o presidente do Livres, Paulo Gontijo, reconhecendo a pressão sobre os parlamentares. “Tentamos evitar mal-estar, mas temos um Comitê de Ética. Se alguém fizer alguma coisa contrária aos valores do Livres, pode levar advertência, suspensão e até ser desligado.”

Reação

O alto valor arrecadado via doações, assim como as bolsas oferecidas por alguns dos grupos durante eleições, caso do RenovaBR, entraram na mira da Câmara. Em ofício ao Tribunal Superior Eleitoral, o deputado Fausto Pinato (PP-SP) questiona a licitude da atividade desses movimentos. Ele pergunta se os grupos podem receber doações de instituições privadas e formar candidatos. “Se essas fundações podem receber doações, por que os partidos não podem?”.

Presidente do Solidariedade, o deputado Paulinho da Força (SP) diz que esses grupos de renovação promovem uma cortina de fumaça para burlar a lei eleitoral e incentivar a infidelidade partidária. “Agem como partidos paralelos. Pregam a destruição dos partidos”, afirmou. Ele tem apoio de mais 11 líderes partidários para formular um projeto de lei que limite doações a esses grupos. “Quem doa são pessoas físicas com interesses claros.” A proposta em elaboração estabelece doação de no máximo de dez salários mínimos por ano.

Sem acesso direto aos fundos públicos, os grupos de renovação política apontam as doações recebidas como a principal fonte de recursos. Em seus sites oficiais, botões de “Doe” e “Contribua” têm destaque e letras garrafais. RenovaBR, Acredito, Agora! e Raps divulgam a lista de todos seus financiadores. O Livres permite que seus doadores não sejam identificados.

O Agora! está criando pacotes de conteúdos exclusivos para tentar conseguir mais doadores. “(Produziremos) vídeos e podcasts, por exemplo, para agregar valor para esses membros. Mas mesmo assim a contribuição não vai ser obrigatória”, afirma o coordenador do Agora!, Leandro Machado. Na Raps, a aposta para a arrecadação de recursos é nas campanhas de financiamento coletivo.

O fator Luciano Huck

Com dinheiro em caixa, os movimentos investem na formação de seus integrantes – em geral, pessoas na casa dos 20 a 30 anos. O RenovaBR está treinando 1.400 alunos em 445 cidades, em todos os estados. Para entrar na vida pública e disputar as eleições 2020, eles fazem um curso a distância por cinco meses. A iniciativa ficou conhecida por ter como garoto-propaganda o apresentador da TV Globo Luciano Huck, tratado oficialmente pela entidade como “apenas um apoiador”.

Fundada em 2017 pelo empresário Eduardo Mufarej, a autodenominada primeira escola de políticos do Brasil, mantida com doações privadas, ajudou a eleger 17 parlamentares em 2018 e agora mira os pleitos municipais. Quer repetir o sucesso alcançado com a deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP), a estadual Marina Helou (Rede-SP) e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), alguns dos eleitos com um empurrão do RenovaBR.

Os três integravam o grupo de 133 potenciais candidatos que fizeram o curso em São Paulo em 2018. O programa vai desde introdução a conceitos de democracia e política até estratégias de campanha eleitoral – sem esquecer a cartilha econômica neoliberal. Como a abrangência agora é maior, as aulas são pela internet. E os encontros regionais (cinco no total, em capitais como Rio de Janeiro e Florianópolis) foram agendados para os inscritos conhecerem uns aos outros e se enxergarem como uma comunidade.

A possível candidatura de Huck a presidente em 2022 ajudou a atrair atenção para esses grupos. O apresentador intensificou movimentações que podem resultar em sua entrada na corrida pelo Planalto, o que esteve perto de acontecer em 2018. Desta vez, segundo aliados, o plano está mais amadurecido. Sem filiação a partido, Huck tem atuado na esfera pública por meio de movimentos cívicos, como ele define o Renova e o Agora!, outro grupo do ecossistema de renovação política no qual milita. Os movimentos sonham alto!


Com informações da Folha e do Estadão