Cibele Nascimento

A Justiça do Trabalho será impactada por prováveis demandas do gênero e deverá se adequar a esta nova realidade, em uma medida de gestão de crise, valendo-se de alternativas diante do cenário atípico atual.

A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) colocou em evidência as dinâmicas das relações de trabalho, que precisaram rapidamente se amoldar a realidade fática do cenário atual.

Muito se discutiu acerca das atitudes que precisaram ser tomadas, tendo o presidente da República adotado MP 927/20 posteriormente alterada pela MP 928/20.

Diante de tais medidas, aclarou-se certos pontos trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública (reconhecida pelo Decreto Legislativo 6, de 20 de março de 2020) como por exemplo, trouxe elucidações acerca da usufruição de férias e a compensação de jornada por meio do banco de horas. Contudo, alguns pontos ainda permanecem obscuros, dentre os quais podemos destacar: como ficam as inadimplências de acordos judiciais na Justiça do Trabalho tratando-se dos casos que decorrem do impacto causado na econômica em decorrência da Covid-19?

Primeiramente, alguns pontos deverão ser observados com cautela, o Conselho Nacional de Justiça suspendeu os prazos até 30 de abril através da resolução 313/2020, assinada pelo ministro Dias Toffoli. Podemos arguir que o cumprimento de acordos judiciais possuem caráter processual, por serem cumprimento de sentença homologatória e, nestes termos, estariam abarcados na suspensão acima citada.

Passemos, então, a debater acerca dos acordos que possuem datas pré-fixadas de vencimento da obrigação.

O cenário é incerto, de fato, porém o artigo 393 do Código Civil estabelece que o devedor não responderá pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado, e o parágrafo único traz a previsão de que este instituto somente é aplicável se os efeitos dele decorrentes forem imprevisíveis e inevitáveis.

A força maior também está prevista na própria CLT, em seu art. 501 temos ‘’entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.’’

Torna-se incontroverso a ausência de necessidade de comprovação da ocorrência da força maior, posto se tratar de fato público e notório, que independente de prova nos termos do artigo 374, I, do CPC.

Indubitavelmente, a situação global gerada pela COVID-19 se amolda ao quanto exposto no art. 393 do Código Civil e art. 501 do CLT.  A norma é de direito material e tem a finalidade de preservar a boa-fé nas relações jurídicas, tratando-se de norma de ordem pública de caráter geral que visa resguardar a lealdade processual entre os demandantes se justificando como princípio basilar de qualquer direito, inclusive o Direito do Trabalho. Da mesma forma se impõe quanto validade da aplicação da multa por inadimplência do acordo trabalhista.

Por outro lado, tem-se por necessária a demonstração do empregador da sua incapacidade de realizar, momentaneamente, o pagamento integral dos acordos celebrados, isto porque, torna-se uma conduta prudente por parte do réu demonstrar a sua perda de capacidade financeira.

Amoldando-se a realidade fática, a Resolução 152, do Comitê Gestor do Simples Nacional, determinou a postergação dos recolhimentos do Simples Nacional; a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) anunciou que os cinco maiores bancos associados (Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú Unibanco e Santander) vão atender a pedidos de prorrogação dos vencimentos de dívidas de clientes pessoa física e jurídica, por até 60 dias; a Medida Provisória 927/20 suspendeu a exigibilidade do recolhimento do FGTS por três meses.

Com efeito, a economia do País está sendo afetada e diversos setores estão prorrogando prazos para pagamento de obrigações. Em outras palavras, é tempo das  relações serem repensadas diante do cenário atual, podendo-se valer de meios alternativos, como por exemplo reajustar o valor ou a disposição dos termos acordado afim de que haja o adimplemento de uma quantia proporcional, visando mitigar danos irreparáveis, sempre se pautando na boa-fé objetiva.

Por oportuno, Américo Plá Rodrigez aduz que "o princípio da razoabilidade consiste na afirmação essencial de que o ser humano, em suas relações trabalhistas, procede e deve proceder conforme à razão"¹, e não se mostra razoável impor integralmente ao empregador o ônus de arcar com as obrigações decorrente de acordos trabalhistas porquanto o próprio Governo tem criado medidas para evitar a falência de empresas e a manutenção dos contratos de trabalho.

Podemos invocar, ainda, o princípio da não discriminação nas relações de trabalho, afinal, se o empresário assume todo o ônus em manter o pagamento integral dos acordos judiciais trabalhistas, não haverá condições de manter os postos de trabalhos em sua empresa vigente. Estaria, assim, a Justiça do Trabalho violando o princípio acima mencionado, distinguindo os trabalhadores e ferindo o artigo 5º da Constituição Federal do Brasil de 1988, onde todos somos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

Diante de tal situações temos que nos valer do princípio da proporcionalidade e da continuidade da Relação de Emprego, criando meios alternativos e menos severos nas relações judiciais para as empresas e salvaguardando os postos de trabalho que ela produz.  

A Justiça do Trabalho será impactada por prováveis demandas do gênero e deverá se adequar a esta nova realidade, em uma medida de gestão de crise, valendo-se de alternativas diante do cenário atípico atual.  

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1RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 3. ed. atual. São Paulo: LTr, 2000, p. 393.

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*Cibele Nascimento é advogada trabalhista no escritório MoselloLima Advocacia.