Renato Melquíades de Araújo

Sem dúvidas, os estímulos econômicos são importantes e necessários, principalmente para o Brasil, que foi abatido pelo estado de calamidade pública enquanto lutava para superar os efeitos da pior recessão das últimas décadas.  

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A pandemia do coronavírus (covid-19) está causando a irreparável perda de vidas, privando a todos do convívio social e devastando a economia mundial, fazendo com que governos de todo o mundo adotem medidas fiscais e realizem aportes excepcionais, de modo a sustentar e estimular os negócios e as empresas.

Sem dúvidas, os estímulos econômicos são importantes e necessários, principalmente para o Brasil, que foi abatido pelo estado de calamidade pública enquanto lutava para superar os efeitos da pior recessão das últimas décadas.

Os impactos nas relações de trabalho são significativos e causam desespero àqueles que precisam pagar a folha salarial – e todas as outras contas, principalmente os impostos – em momento de faturamento inexistente e de pessimismo com o futuro imediato. Contudo, é importante destacar, nesse momento difícil, que a legislação trabalhista brasileira já prevê uma série de medidas, que estão à disposição de empregados, empregadores, entidades sindicais e governos, para reduzir os impactos negativos, manter os postos de trabalho e oferecer suporte à subsistência dos trabalhadores e das empresas.

Algumas alternativas são mais simples, como a celebração de acordo de banco de horas1, para que haja a compensação futura do que não for trabalhado, a adoção temporária do regime de teletrabalho2 e a concessão de férias coletivas3 ou individuais.

Há, ainda, medidas mais complexas, que demandam a negociação coletiva com entidades sindicais, como a redução geral e temporária de salários4, até o limite de 25%, com proporcional redução das jornadas, ou por meio de custeio e supervisão do Poder Público, como a possibilidade de suspensão dos contratos de trabalho, pelo período de dois a cinco meses, para participação dos empregados em curso ou programa de formação profissional oferecido pelo empregador5, o chamado layoff.

No domingo (22), foi publicada a MP 927, que trouxe alterações nas ferramentas trabalhistas de administração de crises, muitas dentre as que estão indicadas acima, em decorrência do reconhecimento do estado de calamidade pública pelo Congresso Nacional, que emitiu o decreto legislativo 6, em 20 de março de 2020.

A MP 927 foi alvo de severas críticas por prever, em seu artigo 18, a suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses, com a possibilidade de o empregador negociar o fornecimento de ajuda financeira compensatória, sendo certo e expresso, contudo, que a de bolsa de qualificação profissional6, custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), não seria paga neste caso.

Ocorre que, no dia seguinte foi publicada a MP 928 que, em seu artigo 2º, expressamente revoga o disposto no referido artigo 18 da MP 927. Não altera, porém, o tratamento que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) fornece à matéria, que conta com previsão legal e suporte jurisprudencial7.

Assim, é importante destacar que, nada obstante a confusão causada pelas medidas provisórias acima referidas, a CLT efetivamente prevê a possibilidade de suspensão dos contratos de trabalho pelo período de dois a cinco meses para participação em cursos e formação profissional oferecido pelo empregador8.

Contudo, para tanto, a regra celetista exige a participação do sindicato representante da categoria dos empregados e que o ajuste seja formalizado por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho.

Também segundo a CLT, pode ser definido o valor de uma ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial, a ser paga ao empregado pelo empregador durante o período de suspensão contratual. Porém, de acordo com a regra celetista, os empregados abrangidos pela medida fazem jus à percepção de bolsa de qualificação profissional9, com periodicidade, valores, cálculo do número de parcelas e pré-requisitos para habilitação iguais aos adotados em relação ao benefício do Seguro-Desemprego.

A regulamentação do benefício da bolsa qualificação está prevista no artigo 19, inciso V, da lei 7.998/90, e foi realizada por meio da resolução 591/09 do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat). Assim, segundo o ato normativo, faz jus ao benefício o empregado com contrato de trabalho suspenso, devidamente matriculado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador.

Para requerer o benefício, o trabalhador deve apresentar, durante o prazo da suspensão, a cópia da convenção ou do acordo coletivo, a Carteira de Trabalho (CTPS), com a anotação da suspensão do contrato, o comprovante de inscrição em curso ou programa de qualificação, com indicação de duração, e os seus documentos de identificação.

A primeira parcela do benefício será liberada 30 dias após a data de suspensão do contrato e as demais a cada 30 dias, seguindo os valores, números de parcelas e demais condições correspondentes ao seguro desemprego.

Caso ocorra a demissão do empregado após o período de suspensão do contrato de trabalho, as parcelas da bolsa de qualificação profissional pagas serão descontadas das parcelas do seguro desemprego a que fizer jus, sendo-lhe garantido, contudo, o recebimento de ao menos uma parcela do benefício.

Contudo, se ocorrer a dispensa durante o período de suspensão contratual ou nos três meses subsequentes ao retorno ao trabalho, o empregador pagará ao empregado, além das parcelas indenizatórias previstas na legislação, multa a ser estabelecida na norma coletiva, sendo de, no mínimo, 100% sobre o valor da última remuneração mensal anterior à suspensão do contrato.

Para a concessão da bolsa qualificação aos empregados atingidos pela medida, o empregador deverá informar a suspensão do contrato à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE) e apresentar a cópia da convenção ou do acordo coletivo celebrado para este fim, a relação de empregados a serem contemplados com o benefício e o plano pedagógico e metodológico do curso ou programa, contendo, no mínimo, objetivo, público alvo, estrutura curricular e carga horária.

Caberá às SRTEs acompanhar, após homologação da norma coletiva, a execução dos cursos e fiscalizar a concessão da bolsa qualificação. O pagamento do benefício será suspenso se ocorrer a rescisão do contrato de trabalho, se o trabalhador perceber benefício de prestação continuada da Previdência Social ou em caso de comprovada ausência do empregado nos cursos de qualificação, observada a frequência mínima de 75 por cento.

O prazo limite de cinco meses poderá ser prorrogado mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho e anuência formal do empregado, mas, neste caso, o empregador deve arcar com o ônus correspondente ao valor da bolsa de qualificação profissional.

É muito relevante observar a qualidade ofertada, a carga horária compatível com o tempo de suspensão do contrato e a efetiva frequência do empregado ao curso ou programa de qualificação, pois a jurisprudência trabalhista10 rejeita a suspensão dos contratos sem a obediência às exigências normativas, tornando sem efeito os ajustes pactuados em desacordo com os parâmetros indicados.

Então, é grande o potencial de eficácia de sua utilização razoável e negociada, pois a ferramenta da suspensão do contrato para participação em curso ou programa e qualificação profissional está prevista em lei válida e vigente.

A revogação do artigo 18 da MP 927 em nada muda o procedimento e os requisitos da suspensão contratual prevista em CLT, conforme acima indicado, cabendo o engajamento das partes interessadas em negociação coletiva, cujo êxito na formalização de um acordo deve contar com o respaldo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

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1 Artigo 59, §§ 2º e 5º, da CLT.

2 Artigos 75-A e seguintes, da CLT.

3 Artigos 139 e seguintes, da CLT.

4 Artigo 503 da CLT.

5 Artigo 476-A da CLT.

6 Artigo 2º-A, lei 7.998/90.

7 TST – RO nº 97800-10.2009.5.03.0000 - Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC); julgado em 11/6/2012, DEJT 22/6/2012, Rel. Min. Márcio Eurico Vitral Amaro.

8 Artigo 476-A da CLT.

9 Artigo 2º-A, lei 7.998/90.

10 RECURSO DE REVISTA. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. BOLSA QUALIFICAÇÃO. ARTIGO 476-A DA CLT. Deve ser mantido o v. acórdão regional que descaracterizou a suspensão do contrato de trabalho, diante da delimitação de que no prazo de três meses em que o contrato de trabalho ficou suspenso o reclamante participou de quatro cursos de capacitação, cada um com apenas um dia de duração, em afronta ao comando do artigo 476-A, § 6º, da CLT. Recurso de revista não conhecido. (TST – RR 798-53.2010.5.09.0092 – Sexta Turma; julgado em 11 de setembro de 2013, Rel. Ministro Aloysio Corrêa da Veiga)

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*Renato Melquíades de Araújo é advogado e sócio do escritório Martorelli Advogados.

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