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Prevendo um cenário de possível retorno ao trabalho, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) publicou um guia prático de como empregadores e empregados deverão agir no ambiente de trabalho da era que terá início após a decretação de encerramento da pandemia causada pelo novo coronavírus e que ganhou o apelido de "novo normal".

O guia contem dez ações, listadas a seguir: I) formar uma equipe conjunta para planejar e organizar o retorno ao trabalho; II) decidir quando reabrir, quem retornará ao trabalho e de que forma; III) adotar as medidas de engenharia, organizacionais e administrativas; IV) promover a limpeza e desinfecção do ambiente de trabalho; V) prover meios para higiene pessoal; VI) prover os equipamentos de proteção e higiene pessoal e informar seu uso correto; VII) manter a vigilância da saúde; VIII) considerar outros perigos, incluindo psicossocial; IX) revisar os planos de preparação de emergência; e X) revisar e atualizar as medidas preventivas e de controle que envolvem a situação.

Merecem destaque algumas das medidas, como a primeira delas, de formação de um comitê para tratar de saúde e segurança do trabalho com o mesmo número de representantes do empregador e dos empregados. A OIT prevê que o principal objetivo do grupo será integrar as ações que serão definidas em conjunto ao plano de continuidade dos negócios, comunicando todas as ações aos demais empregados.

Trazendo a estrutura proposta às empresas estabelecidas no Brasil, a Cipa (Comissão Interna de Prevenção a Acidentes) poderia fazer as vezes do tal comitê quando existente em atendimento ao artigo 163 da Consolidação das Leis do Trabalho e à NR 5 do Ministério da Economia, antigo Ministério do Trabalho e Emprego, entretanto, empresas que não necessitam de uma CIPA robusta — aquelas que empregam menos de 50 indivíduos e podem atuar com apenas um representante poderão solucionar a questão instaurando um comitê de crise, que atuaria com os objetivos propostos.

Também podemos destacar a recomendação de se evitar interação física e o distanciamento entre estações de trabalho de pelo menos dois metros com instalação de barreiras físicas ou telas e até mesmo a instituição de um limite de pessoas para cada ambiente de possível aglomeração, como salas de reunião, elevadores, copas, refeitórios e demais espaços compartilhados.

Quando analisada sob demanda de escritórios administrativos, a adoção dessa medida não será tão simples, poderá demandar investimentos altos por parte das empresas e vem na contramão do que parece ser o objetivo da maioria do seguimento, que tem a tendência de cada vez mais instalar-se em espaços menores, projetando mobiliário que prioriza a integração das pessoas e ambientes, sem uso de divisórias, isolando apenas os espaços destinados às salas de reuniões.

Quando levamos essa recomendação às indústrias, encontramos outras dificuldades, até mais sensíveis. Isso porque a automatização dos meios de produção, com a adoção de maquinário cada vez mais seguro e computadorizado, permite que apenas um colaborador opere até cinco máquinas ao mesmo tempo, mas essa independência da operação não elimina a necessidade de comunicação entre colaboradores e gestores, que será um grande desafio quando adotado o distancia recomendado de dois metros, vez que a intensidade do ruído exige o uso de protetores auriculares constantemente, o que inviabiliza a audição, tornando as conversas ineficientes.

Outra medida que merece destaque, na seção III, é a de se manter a ventilação natural através da abertura de janelas e de que, quando da necessidade do uso de sistemas de ar condicionado, as empresas garantam a correta instalação, limpeza e manutenção, com o intuito de evitar que os mesmos atuem como agentes de proliferação de doenças respiratórias e, consequentemente, do coronavírus.

As empresas situadas em grandes cidades certamente encontrarão dificuldades de implementar essa medida, não apenas pela elevação da temperatura no ambiente, que geraria desconforto ao ambiente de trabalho por si só, mas também porque em edifícios comerciais, via de regra, as janelas, quando possuem abertura, são insuficientes à circulação de ar.

A recomendação de manter vigilância constante da saúde dos empregados, prevista no item VII, também será um grande desafio às empresas brasileiras, já que é notório que em sua grande maioria não instituíram um programa que garanta a privacidade de dados pessoais, em parte por se aproveitarem do imbróglio legislativo no qual está envolvida a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei Nº 13.709/2-18), que atualmente tem previsão de início de vigência para maio de 2021, e, por outro lado, porque ao inserir o tema na agenda de prioridades, também demandará esforços financeiros com o treinamento dos colaboradores, a instalação de softwares para gestão dos dados pessoais e a contratação de advogados especializados para direcionar a implementação do programa.

As empresas que já tiverem se adequado à proteção de dados pessoais enfrentarão menos dificuldade de seguir esta recomendação da OIT porque já terão identificado em quais pilares da lei poderão apoiar a obtenção e a manutenção de dados de saúde dos empregados e poderão fazer o compartilhamento dos mesmos de forma segura com as autoridades de saúde, evitando vazamento de informações sensíveis.

Ao elaborar o manual de medidas a OIT parece ter priorizado a saúde dos empregados e esquecido da saúde financeira das empresas, que atualmente enfrentam uma das maiores crises econômicas já existentes, com diminuição de demanda em praticamente todos os setores econômicos, empregados desmotivados após enfrentarem meses de interrupção de atividades, suspensão dos contratos de trabalho e diminuição dos salários.

Após o término do estado de pandemia as empresas que tiverem sobrevivido terão que encontrar um caminho sustentável para a retomada das atividades e dificilmente terão condições de proporcionar investimentos como os recomendados pela OIT, tornando inviável a convivência saudável e segura contra o coronavírus no ambiente de trabalho e a continuidade das operações.

Algumas alternativas ao não investimento seriam a adoção de um sistema de rodízio nos escritórios, em que parte dos empregados atue alguns dias da semana no ambiente empresarial e outra parte atue em home office, propiciando o mínimo de interação possível ao delimitar a quantidade de pessoas no ambiente de trabalho, adotando também medidas mais rigorosas de limpeza e higiene; outra medida seria estender o atual home office por mais alguns meses para todos, quando a atividade permitir, o que evitaria a exposição nos meios de transporte, preservando a condição de isolamento.

As fábricas que podem atuar com toda sua capacidade poderiam manter os empregados em suas atividades, adotando pausas alternadas para higiene pessoal e refeições, reuniões de equipe em ambientes abertos para propiciar o distanciamento recomendado e principalmente, proporcionando todas as informações e meios necessários aos colaboradores para mantê-los engajados na nova rotina de proteção contra o coronavírus.

Embora pouco sensível ao atual estado econômico mundial, o conjunto de recomendações da OIT é bem intencionado e tem por objetivo principal a manutenção da saúde dos indivíduos, a comunicação das empresas com as autoridades de saúde para uma atualização constante da quantidade de pessoas infectadas com o coronavírus e a identificação, o controle e a prevenção dos riscos inerentes à disseminação do vírus mencionado, visando à melhoria contínua do ambiente de trabalho e, consequentemente, da sociedade como um todo.

Victor Fernandes Cerri de Souza é advogado, especialista em Direito Processual Civil e sócio do escritório Correa Porto Sociedade de Advogados.

Rebeca Cardenas Bacchini é advogada, especialista em Direito e Processo do Trabalho e atua como Senior Legal Counsel.

Revista Consultor Jurídico