OPINIÃO

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Desde o início do seu mandato, o presidente da República costuma atender a simpatizantes políticos e a jornalistas nos momentos de sua entrada e saída no Palácio da Alvorada. Militantes e profissionais da imprensa têm sua entrada monitorada pelo Gabinete de Segurança Institucional e ficam separados uns dos outros e da comitiva presidencial por grades, sendo tal espaço popularmente conhecido como "cercadinho" do Planalto.

A relação entre presidente da República e imprensa nunca foi amistosa. Por sua iniciativa, assinaturas de jornais em unidades do governo federal foram canceladas [1], a renovação de concessão de emissora considerada inimiga sempre é questionada [2], além de sempre haver referências a uma perseguição midiática, desde as primeiras entrevistas após a eleição [3].

A publicação de notícias que desagradam ao chefe do Poder Executivo sempre resultam em desentendimentos entre este, militantes que o apoiam e os jornalistas que fazem a cobertura na entrada do palácio. Tais divergências já levaram ao proferimento de expressões como "cala a boca[4], "imprensa lixo[5] e "no dia que vocês tiverem compromisso com a verdade, eu falo com vocês de novo[6] pelo presidente e seus seguidores, além de responder a perguntas com gestos indecorosos [7]. Até um humorista que faz imitações do chefe do Executivo federal foi levado ao local para responder às perguntas dos jornalistas, que recusaram a investida [8].

Em face das agressões perpetradas aos profissionais, diversos veículos de comunicação retiraram os trabalhadores daquele local [9], condicionando o retorno a garantias mínimas de segurança, de responsabilidade do Gabinete de Segurança Institucional, vinculado à Presidência da República.

Tais atos, praticados pelo presidente da República e por seus apoiadores, podem configurar assédio moral no âmbito do Direito do Trabalho? Antes de responder a tal pergunta, apresenta-se o conceito de assédio moral feito por Maurício Godinho Delgado como sendo a "conduta reiterada seguida pelo sujeito ativo no sentido de desgastar o equilíbrio emocional do sujeito passivo, por meio de atos, palavras, gestos e silêncios significativos que visem ao enfraquecimento e diminuição da autoestima da vítima ou a outra forma de tensão ou desequilíbrio emocionais graves[10].

As ações trabalhistas que tratam de assédio moral levam à condenação dos empregadores, caso haja demonstração da existência dos pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam: a conduta comissiva ou omissiva do ofensor; o dano material ou imaterial; o nexo de causalidade; a culpa ou dolo, estes últimos nos casos em que não se trate de responsabilidade objetiva do empregador.

A Convenção 190 da OIT [11], que trata do assédio no mundo do trabalho, muda alguns conceitos que estavam consolidados na jurisprudência trabalhista. Em seu artigo 1°, define violência e assédio no mundo do trabalho como sendo uma gama de comportamentos e práticas inaceitáveis, ameaças ou apenas uma ocorrência única, que vise ou resulte em danos físicos, psicológicos ou sexuais. Não existe, portanto, a necessidade de reiteração da conduta ilícita, sendo configurado o assédio em apenas um único ato ilegítimo.

O artigo 2° da convenção define que a norma não protege apenas os trabalhadores investidos em uma relação de emprego, mas todos aqueles que militam no mundo do trabalho, independentemente da sua condição contratual, incluindo pessoas em treinamento, estagiários, aprendizes, ex-empregados, candidatos a emprego e os próprios empregadores.

O artigo 3° dispõe que o trabalhador pode ser vítima de assédio não apenas no local de trabalho físico tradicional, mas também em eventos relacionados ao trabalho e em espaços públicos, além de abranger todas as condutas que configurem assédio e todas as pessoas que tenham relação com tais atos (artigo 4°).

Não há, portanto, responsabilidade apenas dos empregadores na prevenção do assédio nas relações de trabalho, devendo autoridades públicas e militantes políticos respeitarem todos os trabalhadores que desempenham suas funções no "cercadinho" do Planalto, sejam seguranças, porteiros, zeladores motoristas e até os jornalistas, que não podem ser insultados em razão do teor das publicações feitas nos órgãos de comunicação, sob pena de responsabilização trabalhista, devendo os ofendidos com tais matérias seguir os ditames da Lei n° 13.188/2015, que trata do direito de resposta, e não ofender profissionais no exercício de seu mister.

Apesar de ainda não ter sido ratificada pelo Brasil, não há vedação ao uso dos conceitos introduzidos pela OIT na referida norma, pois não há conceito legal de assédio moral no ordenamento jurídico brasileiro e a CLT é clara ao dispor em seu artigo 8° que, na falta de disposições legais ou contratuais, a Justiça do Trabalho poderá decidir o caso utilizando o Direito comparado, no qual está incluso o direito transnacional, sendo a Convenção 190 da OIT, a partir de sua edição, a fonte normativa do assédio moral no âmbito das relações de trabalho.

 

[10] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019. Pág. 770.

[11] ORGANIZACÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO [OIT]. Convenção sobre  Violência e Assédio no Mundo do Trabalho [Convenção 190]. 10 de junho de 2019.  Disponível em: < https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/publication/wcms_721160.pdf>. Acesso  em: 26 maio de 2020.

Lucas Silva de Castro é juiz do Trabalho substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 16° Região (MA) e mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor).

Revista Consultor Jurídico