Além de voltar a divulgar dados completos às 18h30, o governo procurou lacunas no sistema de divulgação anterior para justificar o apagão de dados que trouxe desconfiança de organizações nacionais e internacionais.

Após tumultuar a divulgação de dados da covid-19 no Brasil, Bolsonaro age como se não tivesse acontecido e retoma divulgação.

Após manifestações públicas de entidades científicas, de saúde, políticos e imprensa, além da própria OMS e organismos internacionais que monitoram o avanço mundial da doença, o secretário executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, concedeu uma entrevista coletiva nesta tarde de segunda-feira (8), em que demonstrou recuo ao apresentar um sistema completamente novo, mais amplo e automatizado de dados da covid-19, diante do apagão de dados prometido por meio de bravatas do presidente Bolsonaro, durante a semana passada. Bolsonaro se irritou com o destaque dado aos crescentes e dramáticos números de óbitos pela imprensa. O problema é que a dimensão do novo sistema deixa dúvidas sobre a agilidade e eficiência com que será implantado, enquanto a pandemia avança acelerada sobre o país. O governo anuncia a plataforma para amanhã (9).

Nos últimos dias, o Ministério da Saúde, sob gestão interina desde a demissão de dois ministros, nem vinha fazendo entrevistas coletivas para esclarecer as ações do governo para combate à covid-19. Ainda no início da semana passada, passou a divulgar os dados da pandemia na calada da noite, em horário impróprio para veiculação em telejornais com a população dormindo. Ameaçou não somar mais mortes ocorridas em dias anteriores à confirmação, que são a maioria delas. Tirou todo o histórico evolutivo da doença do site oficial e não mais somou o total de casos e óbitos, exibindo apenas os números menores de cada dia.

Tiro no pé e digitalização do sistema

Diante da ênfase à crise de confiança dada pela imprensa, na divulgação mais dramática dos dados feita em plantão do Jornal Nacional, interrompendo a novela mais assistida pelos brasileiros, o governo percebeu o tiro no pé e resolveu se explicar. Hoje, Franco apresentou a “nova plataforma de consolidação dos dados sobre a covid-19 no país”. Uma nova plataforma será criada e disponibilizada e a forma de contabilização das mortes será alterada. As secretarias estaduais enviarão as informações até as16h e os dados totais nacionais serão divulgados até as 18h.

Mudanças que já deviam ter sido feitas antes, acrescentando datas de notificação, agora são usadas como justificativa para o imbróglio da semana passada. A criação de uma plataforma única para todos os estados preencherem com os dados também já deveria ter ocorrido, desde o princípio, mas também é sutilmente apresentada como um motivo dos questionamentos do presidente que levaram ao apagão de dados. Até então, o sistema era movido a planilhas já consolidadas nos estados.

Com o novo sistema, passa-se a colher dados mais específicos sobre pacientes que o Ministério não fornecia antes, como sintomas, sexo, cor, profissão, fatores de risco. Será possível saber quantos profissionais de saúde estão sendo vitimados pela doença, assim como a predominância ou não de comorbidades entre os óbitos. São dados que outros países já coletavam e ofereciam importantes subsídios para políticas públicas e estudos científicos.

Na apresentação da nova plataforma pelos representantes do Ministério da Saúde, a principal dúvida girou em torno do que acontecerá com os óbitos de dias anteriores cuja confirmação da infecção com o novo coronavírus seja descoberta posteriormente e se estas seriam contabilizadas no total. Perguntado sobre isso na entrevista coletiva, Élcio Franco respondeu que “o total continua o total”. Eduardo Macário completou que o total de registros do dia (as mortes notificadas, independentemente de quando ocorreram) continuará sendo divulgado, mas o dia de ocorrência será considerado e isso impactará a curva epidemiológica de evolução da pandemia. Ou seja, um dado simples, que faria muita diferença na evolução da doença, para compreensão da possibilidade de flexibilização da quarentena, por exemplo.

Até então, os dados estavam disponibilizados no site Painel Covid. Além disso, há dados de hospitalizações e mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), dentre as quais as por covid-19, no sistema de vigilância da gripe. Essas mortes por SRAG são volumosas em algumas localidades, gerando a desconfiança de que óbitos possam estar sendo subnotificados em estados como o Mato Grosso do Sul, onde os índices são surpreendentemente baixos, apesar da falta de políticas de isolamento social mais rígidas. Outra base de dados utilizada é a geral do Sistema Único de Saúde, o OpenDataSus. O intuito é consolidar essas bases de dados na nova plataforma.

Pressão de todos os lados

A alteração do sistema por exigência de Bolsonaro sofreu questionamentos do Ministério Público Federal (MPF) e da Câmara dos Deputados. A Organização Mundial da Saúde, em entrevista coletiva hoje, também defendeu que o Brasil seja mais transparente.

Sobre a divulgação de números diferentes ontem pelo Ministério da Saúde, o secretário Élcio Franco não explicou a origem e motivação da diferença entre os dados e a redução do número de mortes. Segundo o ministério, a adequação dos horários de divulgação dos dados é parte da estratégia da obtenção de informações mais precisas, pois o momento de divulgação está atrelado ao fechamento dos boletins epidemiológicos estaduais.

Bolsonaro enfatizou que iria recontar as mortes, acusando governos locais de inflarem os números para obter vantagens orçamentárias. Elcio Franco ressaltou que não há intenção de recontagem de vítimas da covid-19, em mais uma demonstração de recuo. 

“Não há essa intenção. Esses dados são divulgados pelos estados e municípios, eles estão sendo baseados em análise clínica, o diagnóstico de um médico, que é um profissional de saúde. Eles são confirmados por testagem, feita em laboratórios particulares oficiais, então, da mesma forma que nós acreditamos nesses dados que nós estamos apresentando agora, nós acreditamos nos dados que foram carregados por estados e municípios”, disse o secretário executivo do Ministério da Saúde, ecoando os que as notas de repúdio já diziam e o governo questionava. 

Vermelho