Murilo Meneghetti Nassif

Uma reflexão sobre a extensão do direito de estabilidade de emprego do dirigente sindical ao diretor de sociedade cooperativa empregado de empresa.  

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Ora com decisão em um sentido, outrora com decisão em sentido oposto, o Judiciário ainda não uniformizou o entendimento sobre a extensão, ao empregado de empresa que é diretor de sociedade cooperativa, do direito à estabilidade de emprego que a lei trabalhista garante ao dirigente sindical. Como é através do debate respeitoso, sem extremismos e sem polaridades, que se fortalece a democracia e se constrói uma sociedade livre e justa, é objetivo deste artigo fomentar o debate em torno do direito estabilitário em questão, previsto na literalidade do artigo 55 da lei federal que define a Política Nacional de Cooperativismo e institui o regime jurídico das sociedades cooperativas1.

As cooperativas são sociedades de pessoas de natureza civil, constituídas para prestar serviços aos associados. São regidas pelo Código Civil2 e pela lei Federal 5.764/71. As sociedades cooperativas não visam lucro3 mas, isso não quer dizer que tenham de ser deficitárias e operar com perdas. As cooperativas podem adotar qualquer objeto lícito. Os objetivos sociais mais utilizados em sociedades cooperativas4 são de: produtores; consumo; crédito; trabalho; habitacional; e sociais.

Os órgãos mínimos para administração de uma cooperativa são a diretoria ou o conselho de administração, compostos exclusivamente de associados eleitos em assembleia geral, com mandato nunca superior a 4 anos e com obrigatoriedade de renovação de, no mínimo, 1/3 do conselho de administração ao término de cada mandato5.

No contexto da administração das cooperativas, o citado artigo 55 da política nacional do cooperativismo define que o diretor de cooperativa, quando empregado de empresa, goza da mesma estabilidade de emprego dos dirigentes sindicais6. A interpretação e aplicação deste dispositivo de lei é objeto de centenas de ações trabalhistas no Brasil e objetivo de reflexão deste artigo. As teses e interpretações que dão contorno ao tema são diversas e cingem entre a recepção desse artigo de lei pela Constituição Federal e a criação de cooperativas meramente formais e documentais, com o objetivo de concessão da estabilidade de emprego para os seus diretores empregados de empresas.

Entre os extremos da simplicidade formal da constituição da sociedade cooperativa e da constitucionalidade deste direito estão outras interpretações e teses jurídicas, tais como: (a) A pré-existência de sindicato na mesma base territorial da cooperativa, ferindo (ou não), o princípio da unicidade sindical7; (b) A limitação da estabilidade para cooperativas de trabalho; (c) A limitação para cooperativas em que o objeto social da cooperativa possa conflitar com a atividade principal do empregador; e, (d) O fato de a atividade do diretor da cooperativa ter (ou não), a função de representação de empregados, tal qual a do dirigente sindical, ou seja, a existência real do enquadramento sindical profissional.

Pelas decisões judiciais publicizadas sobre casos concretos que envolvem esta temática é possível verificar que há argumentos jurídicos para ambos os lados, sendo que a falta de uma rápida uniformização por parte do judiciário enseja o aumento anual destes litígios. Da mesma forma, a ausência de atuação do legislativo e do executivo, que poderiam resolver o impasse mediante alteração do texto legal (independentemente do lado em que a balança penderá8), ajuda a incrementar os litígios e aumentar a insegurança jurídica do já complexo sistema laboral brasileiro.

Neste contexto de insegurança e litígios, a reflexão que este artigo propõe é entender a razão de ser da proteção estabilitária de emprego ao diretor de cooperativa empregado de empresa. Para tanto é necessário voltar ao tempo, no nascedouro do cooperativismo no Brasil9, que ocorreu no segmento rural e foi balizado pela confusão entre sociedades cooperativas e sindicatos em 1903, pelo decreto 979.

O passar dos anos estabeleceu as diferenças jurídicas entre os sindicatos e sociedades cooperativas, mas, não as dissociou completamente. Tanto é que a política cooperativista introduzida em 1971 foi lastreada em regime de autorizações prévias e tutela do estado (como na criação de sindicatos). Mas, tratava-se de uma época de necessidade de organização coletiva, baseada em princípios de coletividades e justiça social, como forma de batalhar contra coerções do homem pelo homem.

Um contexto histórico que é totalmente diferente da evolução das cooperativas que, a partir da década de 80 passaram a ter mais autonomia e libertaram-se da dependência administrativa e financeira do estado. Díspar, também, da realidade atual, de uma sociedade globalizada, com a adoção de uma dualidade de modelo econômico pelas cooperativas. O modelo original, solidificado na preocupação com a coletividade; e o modelo atual, consistente na estratégia de gestão das sociedades cooperativas de forma comum a uma sociedade empresarial e competitiva de mercado.

Atrelado ao contexto do modelo econômico original está o fato de que os membros das cooperativas devem acreditar nos valores éticos da honestidade, transparência e responsabilidade social e, portanto, a atuação do dirigente, cooperado e colaborador deve ser regida primordialmente por estes valores e princípios. Atrelado ao contexto do modelo atual empresarial de gestão está a ética corporativa, a boa-fé das relações contratuais, e a necessidade de respeito das práticas anticoncorrenciais e dos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa, que já garantem a qualquer cidadão empregado, uma proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa.

É neste contexto atual, de mercado heterogêneo e da atual razão de ser do dual modelo econômico das cooperativas, que devemos refletir se ainda faz sentido a mantença da estabilidade de emprego prevista no artigo 55. Com todo o respeito à opinião daqueles que entendem de modo contrário, para mim a resposta é negativa. A hermenêutica jurídica, que esclarece o conteúdo das regras positivas e garante a contínua atualização e operabilidade do direito, traz ao operador do direito a necessidade de aplicar a lei de acordo com os fins sociais a que ela destina a teor do artigo 5º da LINDB. Também impõe que as decisões não sejam tomadas com base em valores abstratos e sejam consideradas suas consequências práticas10.

Como consequência prática da extensão do direito de estabilidade de emprego do dirigente sindical ao diretor de sociedade cooperativa empregado de empresa de forma indiscriminada e para todo e qualquer tipo de sociedade cooperativa, temos a constituição de sociedades cooperativas meramente formais e documentais. São sociedades criadas de modo oportunista para gerar uma estabilidade de emprego, com a subversão dos dignos valores do cooperativismo, do aumento do número de litígios sobre a temática e com o aumento da insegurança jurídica laboral, que não ajuda na redução dos índices de desemprego do país e cria ainda mais instabilidade e receio ao investidor e empregador.

Em contrapartida, em cooperativas cujo objeto social da cooperativa possa conflitar com a atividade do empregador, faria sentido – a priori – reconhecer a necessidade de preservação do dirigente que em razão da exposição assumida pelo cargo decisório. Note-se que não se trata de concorrência entre negócios, pois se assim o fosse estaríamos diante de uma ação anticompetitiva, anticoncorrencial e imoral. Se trata de atividade e função de representação de empregados, como medida de proteção ao dirigente em razão da exposição assumida pelo cargo decisório. Mas representação real e não fake!

Em se tratando de temas tão delicados como o cooperativismo e a estabilidade de emprego, urge fomentarmos o debate para que legislativo e executivo atuem ativamente para solucionar este impasse e, na continuidade da omissão de ambos, que o judiciário pacifique rapidamente seu entendimento sobre a interpretação da extensão do direito de estabilidade de emprego do dirigente sindical ao diretor de sociedade cooperativa empregado de empresa.

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1 Art. 55 da lei 5.764/71: "Os empregados de empresas que sejam eleitos diretores de sociedades cooperativas pelos mesmos criadas, gozarão das garantias asseguradas aos dirigentes sindicais pelo artigo 543 da CLT (decreto-lei 5.452, de 1° de maio de 1943)".

2 Artigos 1.093 e 1.094.

3 Art. 3º da lei 5.764/71.

4 Segundo a Receita Federal do BrasilAcesso em 13.6.2020.

5 Art. 3º da lei 5.764/71.

6 Art. 543 da CLT: "(...) § 3º - Fica vedada a dispensa do empregado sindicalizado ou associado, a partir do momento do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação de entidade sindical ou de associação profissional, até 1 (um) ano após o final do seu mandato, caso seja eleito inclusive como suplente, salvo se cometer falta grave devidamente apurada nos termos desta Consolidação."

7 Art. 8º, II da CF/88.

8 Registre-se que nas extintas MPV 808, de 2017 e MPV 905, de 2019, foram apresentadas emendas para alterar o dispositivo final do art. 55 da lei 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Em ambas as emendas, a proposta apresentada foi no sentido de restringir a estabilidade do diretor de cooperativa, para cooperativas cuja atividade econômica fosse diretamente relacionada com a atividade empresarial do empregador.

9 POLONIO, Wilson Alves. Manual das Sociedades Cooperativas. 3ª ed.: Atlas, São Paulo, 2001.

10 Art. 20, LINDB.

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t*Murilo Meneghetti Nassif é mestre em Direito Público pela FGV - Escola de Direito de São Paulo e advogado corporativo.

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