DEMONSTRAÇÃO DE FORÇA

Acuados diante da obrigação de prestar contas para a Procuradoria-Geral da República, os procuradores da "lava jato" tentaram contra-atacar com uma nova demonstração de força. A atuação, no entanto, só evidenciou o que já se sabia de pior sobre o modus operandi das autoproclamadas "forças-tarefa": as acusações, assim como o material probatório usado para justificar diligências, estão carregados de incongruências e violações aos direitos dos investigados. 

Ex-governador e senador José Serra (PSDB)

No último movimento, por determinação do juiz Marcelo Antônio Martins Vargas, da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, a Polícia Federal e o Ministério Público Eleitoral paulista cumpriram no último dia 21 quatro mandados de prisão temporária e 15 de busca e apreensão na capital paulista, em Brasília, Itatiba e Itu, ambas no interior de SP. 

A operação da "lava jato" junto à Justiça Eleitoral de SP investiga suposto caixa dois de R$ 5 milhões na campanha de José Serra (PSDB-SP) ao Senado, em 2014. Além do político, o principal alvo da ação foi o empresário José Seripieri Junior, fundador e ex-presidente da Qualicorp, que chegou a ser preso temporariamente. 

A denúncia contra Serra foi baseada na colaboração premiada de Elon Gomes de Almeida, empresário ligado à Qualicorp, que relatou repasses milionários para alavancar Serra nas eleições de 2014.

Como os procuradores sabem que desde o final de 2019 a lei "anticrime" barra a aplicação de medidas cautelares ou mesmo a abertura de processos apenas com base na palavra do colaborador, apresentaram o que consideram um "contundente e robusto conjunto de elementos probatórios", consistentes em notas fiscais e contratos que comprovariam as transações ilegais entre os investigados.

A representação da Polícia Federal, a manifestação do MPE e a decisão judicial que autorizou a operação não indicam qualquer trecho da delação que incrimine Serra. O que há nos autos do inquérito é uma petição do delator, datada de junho de 2020, afirmando sua participação em doações eleitorais não contabilizadas. Ele nega qualquer outro crime e a existência de doações com fins de contrapartida dos supostos beneficiados. 

Foro privilegiado
Como Serra é senador desde 2015, ele tem foro privilegiado. Desta forma, ele não pode ser julgado pela primeira instância quanto a delitos ocorridos durante o mandato. Para a PF e MPE, no entanto, como as supostas doações ilegais ocorreram em 2014, não haveria violação à prerrogativa de foro do tucano. 

Ocorre que, apesar da desculpa de investigar suposto crime praticado em 2014, fica claro que a apuração se refere ao período de atividade legislativa de Serra no Senado. Afirmações constantes no pedido da PF, na manifestação do MPE e na decisão da Justiça Eleitoral de SP mostram isso.

A decisão de Marcelo Antônio Martins Vargas, por exemplo, diz haver suspeitas de que Serra estaria "se aproveitando de sua função pública". A representação policial fala em fundadas suspeitas do político "estar se aproveitando de sua atuação política para a prática de crimes". O MPE, por fim, diz que as doações investigadas "são objetos não só de uma liberalidade de Seripieri Filho, mas também da compra de boas relações". 

O relatório policial destaca, também, que as doações visavam "uma contrapartida". Ou seja, Serra teria sido beneficiado para, posteriormente, poder beneficiar o setor que alavancou sua campanha. Nesta toada, o relatório policial destaca como relevantes para a investigações projetos de lei apresentados por Serra em 2015, 2016, 2018, 2019 e 2020, anos de atividade legislativa do tucano. 

As buscas no gabinete do político no Senado — barrada por Dias Toffoli —, em seu apartamento funcional e a determinação para que ele entregue seu celular são, segundo a defesa, indícios de que o MPE e a PF buscam uma fazer uma varredura completa e não apenas restrita a 2014, como se busca fazer crer. 

Em memorial enviado ao Supremo, ao qual a ConJur teve acesso, o delegado da PF Milton Fornazari Junior também não é claro quanto à extensão temporal da investigação contra o senador. Isso porque, ao mesmo tempo em que diz que a apuração "busca exclusivamente provas relativas à sua atuação [de Serra] no ano de 2014", afirma que pretende comprovar que as doações foram efetuadas em razão da função que o político "viria a ocupar no futuro, ainda que antes de assumi-la". 

Prisões
Além das buscas, a Justiça Eleitoral paulista determinou a prisão temporária de Seripieri, Arthur Azevedo Filho e Rosa Maria Garcia. As detenções foram revogadas no último dia 24.

Ao expedir as solturas, o juiz Marcelo Antônio Martins Vargas disse que as prisões tinham cumprido seu papel e que a PF conseguiu obter as informações que precisava "para esclarecer os fatos apurados".

Em nota, o advogado Celso Vilardi, que defende Seripieri, disse ser "injustificável a decretação de prisão temporária", uma vez que "os fatos investigados ocorreram em 2014, há seis anos portanto, não havendo qualquer motivo que justificasse uma medida tão extremada". 

"Os colaboradores mencionados no inquérito não acusam Seripieri de ter feito doações não contabilizadas. Relatam que ele fez um mero pedido de doação em favor de José Serra e que a decisão de fazer a doação, assim como a forma eleita, foi decisão de um dos colaboradores. Portanto, não há qualquer razão ou fato, ainda que se considere a delação como prova (o que os tribunais já rechaçaram inúmeras vezes), que justifique medidas tão graves", disse.

A assessoria de Serra se disse surpreendida com a "abusiva operação de busca e apreensão em seus endereços". "A decisão da Justiça Eleitoral é baseada em fatos antigos e em investigação até então desconhecida do senador e de sua defesa, na qual ressalta-se, José Serra jamais foi ouvido."

O senador também lamentou a "espetacularização que tem permeado ações deste tipo no país", e disse que "jamais recebeu vantagens indevidas ao longo dos seus 40 anos de vida pública".

Em nota, os advogados Flavia Rahal e Sepúlveda Pertence, que fazem a defesa do ex-ministro, ex-governador e ex-prefeito de São Paulo, registraram "sua absoluta estupefação diante da operação deflagrada pela Justiça Eleitoral". "Nada justifica a realização de buscas e apreensões em endereços já invadidos pela mesma Polícia Federal há poucos dias e em clara violação à separação dos poderes. É ilegal, abusiva e acintosa a atuação dos órgãos de investigação no presente caso, ao tratar de fatos antigos, para gerar investigações sigilosas e desconhecidas do senador e de sua defesa e nas quais ele nunca teve a oportunidade de ser ouvido. É lamentável a utilização de medidas midiáticas, em clara indicação do objetivo que as impulsionou, e em evidente violação do estado de direito." 

Revista Consultor Jurídico