OPINIÃO

Por 

O isolamento social decorrente da pandemia da Covid-19 gerou abrupta alteração dos trabalhos no Poder Judiciário, em especial em relação àqueles que até então demandavam atendimento presencial. O tempo de paralisação desse tipo de atendimento foi pouco a pouco prorrogado, sendo que até o momento em que escrevo estas linhas não se sabe quando (se?) as atividades voltarão a ser realizadas como outrora.

A alternativa adotada a princípio foi focar esforços naquilo que pode ser realizado independentemente de atendimento presencial: prolação de sentença de processos já instruídos e de questões exclusivamente de direito ou cuja prova é apenas documental; despachos; emissão de alvarás etc. Todavia, logo se viu que o período diferenciado duraria mais do que o inicialmente previsto, de modo que era inevitável encontrar uma opção ao atendimento presencial. É nesse contexto que surgem as audiências por videoconferência.

A instrumentalização da novidade se deu às pressas, dada a excepcionalidade da situação, o que ocasionou uma série de problemas que, de outra forma, poderiam ter sido evitados. Nesse sentido, por todos, cito a falta de familiarização dos envolvidos. Quer dizer, não se pode, previamente, oferecer cursos e seminários sobre a plataforma adotada, por exemplo. Atualmente, o maior foco da resistência são as audiências de instrução, não à toa, pois de fato é a espécie que traz os maiores desafios, por razões evidentes.

Nas próximas linhas, o que se pretende é tratar dos principais argumentos que embasam a resistência às audiências de instrução telepresenciais, além de ressaltar as vantagens do procedimento. Ou seja, peço licença para defender o famigerado sistema, do qual sou atualmente entusiasta, nada obstante, de início, ter subscrito as críticas que, hoje, com todo respeito e com a devida vênia, considero infundadas, em sua maior parte.

Desde já ressalvo que as considerações que seguem são fruto principalmente de minha experiência profissional de presidir algumas centenas de audiências por videoconferência, entre as quais diversas instrutórias. Ciente da parcialidade de minha visão, no sentido de que, por óbvio, não consegue abranger a totalidade do tema, é minha tentativa de contribuir ao incandescente debate.

"Não há segurança na colheita da prova oral numa audiência por videoconferência, as partes e testemunhas podem estar sendo orientadas por terceiro ou lendo para responder às perguntas". Essa é uma das afirmações mais comuns quanto ao sistema telepresencial.

Com efeito, não há como negar que a pessoa ouvida pode estar, por detrás da câmera, lendo algo ou sendo orientada por alguém. Desde logo, é interessante observar que o acesso a escritos só faz sentido quando há alguma matéria extensa. Do contrário, pode-se simplesmente decorar o que seria acessado no referido escrito.

Pois bem, tomando por pressuposto a extensão da matéria, é necessário que aquele que manipula os escritos (seja o próprio falante ou um terceiro) tenha peculiar destreza para acessá-los no momento exato da pergunta, o que não é fácil, já que não há como saber exatamente qual a ordem das perguntas e, ainda que o assunto seja previsível, qual a forma que será perguntado.

Admitindo-se que exista essa destreza, a parte ou a testemunha que fala terá que responder aos questionamentos a partir da leitura, mas sem dar mostras disso.

Ora, salvo atores profissionais, os quais atuam dentro de um contexto planejado e que, ainda assim, muitas vezes precisam refazer as cenas, é notória a dificuldade de aparentar espontaneidade nas respostas quando, na verdade, se está a ler. Ou seja, se alguém ler as respostas, isso fatalmente será percebido. A par disso, o juízo pode encaminhar a perquirição variando a forma de perguntar e os assuntos, de modo a evidenciar a situação. Mutatis mutantis, ocorre o mesmo quando se trata de testemunha que vem com respostas decoradas na audiência presencial.

"As partes e testemunhas poderão ouvir aqueles que falaram antes", é outra alegação contrária à audiência de instrução telepresencial. De fato, isso é possível. Mas aqui o problema pode ocorrer tanto na audiência presencial como na telepresencial: qualquer um que esteja na sala de audiência quando da oitiva de uma parte ou testemunha pode fazer uma chamada de celular e permitir que alguém fora da sala ouça o que está sendo dito; quando se trata da oitiva de testemunha por carta precatória, ela pode ler toda a ata da audiência de instrução já realizada, ou escutar gravação feita por quem que estivesse presente à sala de audiência.

Ou seja, ainda que se procure evitar que as pessoas a serem ouvidas não tenham acesso ao que já foi dito anteriormente, isso nunca foi uma das questões de maior preocupação pelos envolvidos na audiência, em que pese as pueris possibilidades de fraude. Assim, não faz sentido utilizar esse argumento como impeditivo à videoconferência.

"É possível que haja falha na conexão de algum participante". Realmente, pode ser que haja uma queda da conexão com a internet ou mesmo de energia elétrica. Uma vez mais é importante observar que também nas audiências presenciais pode ocorrer problemas no sistema de informática durante a realização de uma audiência, impedindo sua continuidade. Ainda que nas audiências por videoconferência seja maior a chance disso ocorrer, é importante lembrar que atualmente os celulares já permitem acesso à internet com fonte de energia e de internet própria, de modo que, no mais das vezes, o restabelecimento da participação na audiência se dará em poucos minutos.

"E quem não tem acesso à internet?". Esse é, em meu sentir, o principal entrave que pode em alguns casos mesmo impedir a audiência por videoconferência. Mas ainda aqui diversas relativizações são necessárias. É preciso ressaltar que o público atendido pela Justiça do Trabalho é bastante diversificado, indo desde pessoas muito humildes, que podem não ter acesso à web, até altos executivos, passando por bancários, por exemplo, que são uma categoria que têm muitas ações na Justiça especializada, as quais normalmente necessitam de produção de prova oral. Ora, o fato de uma parte das pessoas não ter acesso à internet não pode impedir a realização de audiências em relação a todas.

Já no que tange àqueles que não têm acesso à internet, é possível que, dada a premência pelo recebimento de créditos alimentares, estejam dispostos a ir á casa de um parente ou mesmo ao escritório do advogado para acessar a rede. Em que pese tal cenário não seja o ideal, dada a recomendação de isolamento social, não se pode negar prestação jurisdicional a essas pessoas.

De outro giro, ou seja, nos casos em que parte sem acesso à internet preferir aguardar o retorno às atividades presencias, pode-se adotar uma solução intermediária. É difícil imaginar num futuro próximo que as coisas sejam como eram antes do coronavírus: salas de audiências e salas de espera lotadas. Diante disso, mesmo quando a crise arrefecer o retorno deve se dar de forma gradual, evitando-se, tanto quanto possível, aglomerações.

Logo, a disponibilização de estrutura no fórum para que, aqueles que assim desejarem, acessem de lá as audiências virtuais pode ser uma solução interessante. Ao mesmo tempo em que se garante acesso à internet a todos, minora-se a aglomeração. Aqueles que puderem, acessam de casa; aqueles que precisarem ir até o fórum, encontrarão um ambiente com muito menos pessoas.

Portanto, em resumo, apesar de existirem desafios a serem superados para a efetivação completa desse novo modelo de audiências, eles são superáveis. Passo agora a tratar de algumas das vantagens da adoção de audiências por videoconferência.

Todos aqueles que perdiam horas em deslocamento, especialmente em grandes centros urbanos, e gastavam com transporte, passam a economizar. Além do tempo de deslocamento, economiza-se também tempo de espera, pois no caso de atraso na pauta é possível realizar atividades em casa ou no escritório, por exemplo.

Outra vantagem é a contribuição para a razoável duração do processo pela facilitação na oitiva de testemunhas que moram em outras comarcas, tornando desnecessária a expedição de carta precatória. E, ainda, contribuição mesmo para o acesso à Justiça em seu caráter substancial, uma vez que tende a ser mais fácil convidar testemunhas no caso de elas poderem ser ouvidas de suas próprias casas.

Destaca-se também a redução de despesas da Administração Pública, pois, ainda que o fórum tenha que se manter aberto para atender aqueles que não têm acesso à internet, quanto menor a quantidade de pessoas circulando, menores são os gastos com segurança, limpeza, energia elétrica etc.

Conclusão
A tecnologia cada vez mais muda nossa forma de viver, solucionando problemas velhos e criando novos. Realizar audiências por videoconferência resolve o problema da compatibilização da prestação jurisdicional com a necessidade de distanciamento social, a qual não se sabe até quando irá perdurar. Ao mesmo tempo, cria outros problemas, ou melhor, ressalta e potencializa problemas antigos. Ao fim, abre-se um novo horizonte aos profissionais do Direito.

O real engajamento de todos os envolvidos em fazer esse método dar certo tende a evidenciar suas vantagens e eliminar, ou ao menos mitigar, seus defeitos. A partir daí, mesmo que se possa, sob o aspecto da saúde pública, retornar à velha "normalidade" (o que é incerto), não se irá querer abrir mão dos benefícios.

De início, havia resistência a todo e qualquer tipo de audiência por videoconferência. Hoje, se se perguntar àqueles que já participaram de audiências iniciais ou de conciliação por videoconferência se preferem que elas voltem a ser presenciais, tenho a impressão de que a resposta será negativa. A maior complexidade das instruções faz com que a mudança de percepção seja mais demorada nesta espécie, mas também deve ocorrer. 

 é juiz do Trabalho e especialista em Capacitação Avançada para Assessoramento à Jurisdição Trabalhista (Centro Universitário Autônomo do Brasil - Unibrasil).

Revista Consultor Jurídico