Apesar de comum, tal prática viola os artigos 10, 11 e 13 da LACP – lei da ação civil pública – e deve ser revista pelo Ministério Público do Trabalho e pela Justiça do Trabalho.  

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Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas, me cativastes e agora és responsável por mim ... Talvez seja muita pretensão começar um artigo jurídico com uma das frases mais conhecidas de Antoine de Saint-Exupéry; no entanto, não há melhor citação para se entender que o responsável por algo estará sempre ligado ao futuro daquilo que por ele foi feito.

Saindo da ficção e passando à realidade jurídica, a ação civil pública quando tutela direitos difusos e coletivos tem por escopo, além do efeito pedagógico, a reconstituição dos bens lesados.

Pata tanto, a lei de regência, a n. 7.347/85 (LACP – lei da ação civil pública), no art. 13, prevê que, em caso de condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado será revertida para um fundo cujos recursos serão destinados à reconstituição dos bens lesados.

Para concretizar essa previsão legal, o Decreto n. 1.306/94, cuja disposição foi posteriormente incorporada pela Lei n. 9.240/95, criou o FDD - Fundo de Direitos Difusos. Segundo o artigo 1º do Decreto, tal fundo, o FDD tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos.

Na Justiça do Trabalho, a condenação em sede ação civil pública, pode gerar somas vultosas de indenizações quer seja de dano moral coletivo, quer seja de multa diária. Em ambos os casos, é comum ver-se pedido do Ministério Público do Trabalho para que tais valores sejam revertidos ao FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador. Porém, a destinação desses recursos ao FAT viola a lei, de sorte que tal prática merece ser revista tanto pelos Tribunais, quanto pelo Ministério Público do Trabalho. Isso porque o FAT não pode ser tido como um FDD, em cumprimento do que determina a LACP.

O FAT a teor do disposto no art. 10º e parágrafo da Lei 7.998/90 é um fundo contábil público que é destinado ao custeio do Programa de Seguro-Desemprego, ao  pagamento do abono salarial e ao financiamento de programas de educação profissional e tecnológica e de desenvolvimento econômico, verifica-se, pois, que o FAT não tem como objetivo definido em lei a reparação de danos causados aos interesses difusos e coletivos, como tem o FDD, não podendo, portanto, receber valores oriundos de ação civil pública.

Nesse sentido, o próprio art. 11 da Lei 7.998/90 ao constituir os recursos de custeio do FAT não relaciona valores advindos de ação civil pública. Observa-se, quanto a esse ponto, que o inciso V do referido dispositivo legal em que pese mencionar: Outros recursos que lhe sejam destinados, não autoriza a utilização de valores originados em ação civil pública, uma vez que esse inciso legal se trata de cláusula não regulamentada.

Assim, não há amparo legal para que os valores de indenização oriundos de ação civil pública que devam, segundo a LACP, reparar o direito metaindividual lesado, sejam direcionados ao FAT.

Com efeito, tal destinação não apresenta qualquer razoabilidade, uma vez que, não há afinidade para que uma empresa descumpridora da lei trabalhista, por violar direitos difusos e coletivos dos trabalhadores, seja condenada a financiar Programas de Emprego e Renda (Seguro-Desemprego,  Educação Profissional e  Intermediação de Mão-de-Obra), o PROGER - Programa de Geração de Emprego e Renda, programas mantidos pelo FAT, pois isso não atende à finalidade legal de recomposição dos bens lesados.

Além desse ponto, existe outra ilegalidade que impede a destinação de valores advindos de ação civil pública ao FAT.

O artigo 13 da LACP dispõe: Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade (...).

De acordo com o dispositivo legal, a participação do Ministério Público é condição necessária de validade ao fundo que receber valores originados de ação civil pública. Com o fim de atender ao comando legal, a Lei 9.008/95 prevê a participação de representante do Ministério Público Federal na condição de Membro, do Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos – CFDD, conforme consta do art. 2º, VII, da Lei nº 9.008/95.

Porém, em relação ao FAT não se verifica a mesma obediência à LACP. Isso porque, o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador – CODEFAT, que equivale ao CFDD, conforme disciplinado no art. 18, da Lei nº 7.998/90, não prevê em sua composição nenhum representante do Ministério Público do Trabalho, carecendo, portanto, do cumprimento de condição necessária de validade ao fundo para recebimento de valores provenientes de ação civil pública.

Importante considerar que os dois pontos de violação à LACP trazidos nesse artigo não se configuram questões meramente burocráticas, mas, pontos cuja observância está no interesse público, sobretudo, pela necessária participação do Ministério Público. De fato, a tutela em ação civil pública tem por finalidade a recomposição dos bens lesados, com a participação do Ministério Público, enquanto instituição pública destinada a defesa dos interesses sociais.

Enquanto não for criado um FDD para as ações civis públicas propostas na Justiça do Trabalho, com a participação do Ministério Público do Trabalho, os valores originados de tais ações poderiam ser depositados em estabelecimentos oficiais de crédito, em conta bancária com correção monetária a teor do que dispõe o art. 13, §1º da LACP.

Parafraseando Antoine de Saint-Exupéry é importante que o Ministério Público do Trabalho seja responsável pelos recursos que cativou em sede de ação civil pública promovida na Justiça do Trabalho, a saber: participar da efetiva recomposição do bem dos trabalhadores lesado. 

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t*Antonio Giurni Camargo é advogado trabalhista militante, sócio do Escritório Camargo e Camargo Advogados, pós-graduado em Direito do Trabalho pela Unitoledo e especialista em Direito Empresarial e Compliance pela FGV.

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