Como defender volta às aulas, sabendo que justamente os mais vulneráveis à doença serão diretamente submetidos a maior risco de contágio?

Governos estaduais e municipais fecham o cerco e decretam o retorno das aulas presenciais. A luta é dura, mas é preciso marcar posição. Dizer porque os governos estão errados é essencial.

Algumas vozes se levantam argumentando que as escolas são talvez o único lugar em que jovens de periferia têm acesso a políticas públicas. Muitas vezes, o alimento primordial é a merenda. Embora tal afirmação seja verdadeira, isso não justifica o retorno às aulas, mas evidencia os graves problemas sociais que se agravam no país com a pandemia. Precisamos propor planos estaduais e municipais de auxílio emergencial que utilizem como recurso o valor destinado às merendas. Cadê a merenda?  É dos jovens. Porque não está chegando aos jovens com as escolas fechadas? Essas perguntas precisam ser feitas pelos movimentos.

O governo do estado de São Paulo já abriu escolas e a merenda não veio junto.  O sindicato dos professores do Estado de São Paulo (Apeoesp) denuncia que as escolas abriram sem merenda e sem profissionais que sirvam as refeições. As direções das escolas estão servindo provisoriamente bolacha e suco para os alunos. Ou seja, a escola abriu e a questão da alimentação não foi resolvida, porque abrir escola não resolve a questão da alimentação. A prioridade sim, no pico de contágio que vivemos, é a vacinação e o auxílio emergencial. O governo de São Paulo demonstra que seu interesse não é resolver o problema de alimentação, mas sim ceder à pressão das empresas de educação e abrir escolas sem nenhuma condição para isso. Sequer alimentar.

As escolas municipais e estaduais atendem jovens de periferia, portanto atende um grupo considerável de jovens em situação de vulnerabilidade social. A letalidade do vírus aumenta na proporção da vulnerabilidade social. Quanto mais pobre, mais subnutrido, menor é a imunidade natural dos corpos, que estão mais vulneráveis a doenças. É importante lembrar que a primeira vítima fatal da Covid-19 no Rio de Janeiro em março de 2020 foi uma empregada doméstica. É importante lembrar que são os pobres os que mais morrem por falta de oxigênio em Manaus. A Covid-19 se vale da diferença de classe. Foi trazido pelos ricos ou pessoas que pelo menos podem viajar de um país para outro, mas afeta e atinge mais as pessoas pobres e vulneráveis. Como defender volta às aulas, sabendo que justamente os mais vulneráveis à doença serão diretamente submetidos a maior risco de contágio? Vamos assumir o risco de um aumento de mortes, em meio a uma situação que beira ao colapso?

Nenhum educador negaria a existência de prejuízos de um ano sem aula presencial. São muitos e duradouros. Mas parece que os advogados da volta às aulas esqueceram que esse não é um problema do Brasil, e sim do mundo. Mesmo nações mais responsáveis no combate a pandemia, não estão com aulas presenciais “normais”. Estão em fase de testes, intercalando breves períodos de retorno com retomada da quarentena. Ademais, os prejuízos advindos das escolas fechadas não são maiores do que os riscos que a abertura acarreta. Estamos numa situação análoga a guerra, e o “inimigo” que enfrentamos é invisível, e se alastra em grandes aglomerações, com o governo dos mais irresponsáveis do mundo na gestão da pandemia. Vamos permitir que o vírus circule livremente para matar quem quiser?

Enquanto os governos hipocritamente consideram ser grave as escolas estarem fechadas há um ano, porque não se revoltam com a ausência de um plano nacional de vacinação? Por que não se revoltam com a suspensão do auxílio emergencial? Já que os governos silenciam diante dessas duas prioridades humanitárias, devem ser os movimentos a erguer sua voz para falar em defesa da vida. Vacinação já, para toda a população. Por que isso não está acontecendo? É preciso bater nessas teclas, cobrar dos governos que querem se diferenciar de Bolsonaro, com interesses eleitoreiros de olho em 2022, seu compromisso com a vida. Que não se cumpre abrindo escola, mas defendendo a vida, por meio de vacinação das pessoas e planos estaduais e municipais de auxílio emergencial para os milhões que passam dificuldade.

A reabertura das escolas é só mais um passo em direção a imposição de um “novo normal” onde a morte em massa foi naturalizada pelos governos da ordem. Precisamos ser capazes de nos revoltar contra isso, mesmo que seja para no futuro, produzir esperança.

A tarefa de nossa geração é a que Vitor Ramil lindamente descreveu como semeadura. Precisamos semear nos corações frutos e sonhos, para um dia acabar com essa escuridão que se abate sobre o país e o mundo. Preparar um novo tempo onde a paz e a fartura brotem das mãos da gente que trabalha. Jessé Souza sempre insiste que se quisermos vencer quem está no poder, temos que pensar diferente deles. Pensar diferente, hoje, é defender a vida, a alimentação de nossa gente. É não negociar com governo que quer a morte da nossa gente.

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