Por Isabel Filgueiras, Valor Investe

"Cheguei a receber três meses de auxílio emergencial. Mas consegui um emprego em outubro. Só que a empresa demitiu todo mundo três meses depois. Assim, eu perdi o auxílio e não tive direito ao seguro-desemprego porque não tinha o tempo necessário de carteira assinada", conta a nutricionista desempregada Luana Lima, de 26 anos.

A moça mora com os pais, que também tiveram perda de renda. A mãe dela, já de meia idade, teme que esteja na fila para dispensa do emprego, depois que a empresa solicitou documentos para uma revisão de tempo de serviço. "Meu pai teve redução de salário, minha mãe trabalha feito louca como auxiliar de enfermagem. Eu não tenho mais dinheiro na poupança, não tenho auxílio, não tenho mais nada", diz.

As regras do auxílio emergencial, desde o início, foram pensadas para acudir por um curtíssimo período de tempo uma parte limitada da população, os informais e MEIs (microempreendedores individuais). Mas o quadro se agravou com a chegada da segunda onda da covid, com nova variante do coronavírus, somada à resistência ao isolamento social e à falta da tão necessária vacinação em massa.

Um ano depois do início do caos, no momento de mais necessidade, quando as reservas financeiras do brasileiro se foram, o novo auxílio, que só agora começou a ser pago, se mostra ainda mais excludente e insuficiente que o primeiro, visto que sequer permite novas inscrições para entrar no programa.

Pessoas que perderam o emprego durante a pandemia não tiveram direito ao auxílio. Elas foram excluídas por serem trabalhadores formais. O pressuposto era de que poderiam contar com o seguro-desemprego pelo tempo de duração do auxílio.

O problema é que a crise só piorou e, além de não conseguirem recolocação, o seguro-desemprego acabou para aqueles que puderam contar com o benefício. E um agravante: desde a reforma trabalhista de 2017 ficou muito mais difícil ter acesso ao seguro-desemprego.

Antes, bastavam seis meses de contribuição contínua para que o trabalhador pudesse receber o benefício em sua primeira solicitação. Desde então, são necessários pelo menos 12 meses de carteira assinada nos últimos 18 meses antes da dispensa sem justa causa para ter direito a até cinco parcelas do seguro.

No limbo financeiro

Demitida pouco antes do início da quarentena, a publicitária Marina Simões, de 34 anos, não conseguiu o seguro-desemprego porque ainda não tinha o tempo exigido para ter acesso ao benefício. Ela então recorreu ao auxílio emergencial, em três tentativas. Todas foram negadas.

"Quando perdi o emprego, a primeira coisa que eu fiz foi tentar o seguro, mas eu estava trabalhando nessa empresa havia 5 meses, então não dava tempo para o seguro. Quando liberaram o auxílio emergencial eu tentei a primeira vez e foi negado, dizendo que a minha renda era muito alta para solicitar, só que a essa altura eu já estava há quase três meses sem renda. Tentei mais duas vezes e não me deram mais justificativa", narra.

De lá para cá, no entanto, acabaram-se todas as suas reservas. Casada, ela conta com o salário do marido para pagar as contas básicas, mas tiveram de reduzir ainda mais as despesas. Com 15 anos de experiência, a publicitária diz que as vagas que surgem são para profissionais com menos tempo de mercado, com salários muito mais baixos.

"Tudo o que eu tinha guardado já foi. No começo da pandemia ainda tinha algumas coisas a pagar no cartão. Com o tempo eu liquidei tudo e fui usando o que tinha para ajudar aqui com as compras de casa", diz a publicitária.

Aos 20 anos, a pernambucana Lucinda*, que pediu para que fosse usado nome fictício nesta matéria, conta que foi demitida da vaga de menor aprendiz logo no início da pandemia e saiu sem receber nem um tostão.

Ela não conseguiu seguro-desemprego, nem recebeu valores por rescisão, férias ou FGTS. "A empresa disse que usou o dinheiro para pagar a coparticipação do plano de saúde que usei porque adoeci e fui internada. Mas puxei a ficha do plano e não havia pendências. Saí sem nada, nenhum centavo", afirma.

Como era considerada trabalhadora formal, ela foi excluída do grupo do auxílio emergencial. Agora, há mais de um ano fora do mercado de trabalho, Lucinda* não terá direito a pedir o novo auxílio, porque a Medida Provisória que regula o benefício não permite que novos candidatos entrem no programa. Somente os que se cadastraram e receberam o dinheiro até o fim do ano passado, depois de uma leva de cortes de participantes.

Nesta revisão dos auxílios pagos, a mãe de Lucinda deixou de receber o auxílio emergencial e não entendeu ainda o motivo. Ela também não deve receber o dinheiro na rodada de 2021.

Corte de gastos e busca pela renda extra

"Minha vida está sendo resumida a frustrações e engolir o choro. E está tudo só piorando, sabe? O feijão, o óleo, o gás, tudo mais caro. Temos de viver com R$ 200 para feira do mês. Antes era carne todo dia. Hoje em dia, só no final de semana um pedaço de galinha pra cada pessoa", diz a moça, que respondia as perguntas da entrevista na lotação de um ônibus no Recife, enquanto saia para mais um dia de distribuição de currículo.

"Às vezes, ganhamos verdura de amigos da igreja. Mas em resumo o prato é arroz, feijão e cuscuz. De fruta, a gente consumia manga porque temos um pé no quintal. Mas agora acabou a safra", completa. A moça tentou fazer bico de faxineira, mas relata que está difícil encontrar trabalho durante a pandemia. Segundo ela, é até compreensível que as pessoas não queiram estranhos em casa, com risco de contaminação.

Além do corte de orçamento, que eliminou o pacote de internet da casa, para resumir as contas em apenas água e luz, Lucinda montou uma loja virtual de produtos naturais. Mas até o momento, as vendas ainda não cobriram o gasto inicial com investimento.

Para ela, o auxílio de até R$ 250 não ia resolver o problema, mas seria uma boa ajuda. "É uma ajuda para quem não tem nada. E sei que têm pessoas em situação muito pior que eu", pontua.

Na casa da nutricionista Luana Lima, a família trocou o gás pelo fogão à lenha, cancelou a conta de telefone e negociou parcelas de dívidas da mãe. Ela explica que queria voltar ao mercado de trabalho, mas não tem dinheiro para pagar a taxa do Conselho Regional de Nutrição (CRN) e cumprir com os quesitos para atuar na área de formação.

"A última vez que vi a taxa do CRN estava R$ 500, mais os equipamentos que giram em torno de R$ 3 mil a R$ 4 mil, como balança específica, estadiômetro, adipômetro e computador", afirma.

Luana diz ainda que fez bico no salão de beleza da tia, que agora também foi fechado devido ao aperto nas restrições de circulação de pessoas. "Eu queria mesmo era um trabalho CLT para conseguir comprar tudo e montar meu consultório ou um kit móvel pra ir na casa das pessoas atender", afirma.

A publicitária Marina Simões conseguiu lançar um negócio que não exigiu investimento inicial em dinheiro. Ela montou uma loja virtual de camisetas criativas. A profissional elabora as artes e uma outra empresa faz as impressões. As primeiras vendas foram para teste entre amigos e família, mas agora o negócio já está no ar. Apesar da empreitada, ela não se considera uma empreendedora nata. Sente falta do ambiente de trabalho e continua em busca de novas oportunidades no mercado formal.

Marina também se dedica a recolher doações para pessoas em situação ainda mais vulnerável. Mas conta que, com inflação e perda de renda geral, até as contribuições estão diminutas: "Fazemos arrecadação de dinheiro para comprar comida, água e máscaras para pessoas que perderam suas casas. O que chegou aqui em casa agora foi uma parte das compras que eu fiz com o dinheiro das doações. Mas o que eu consegui deve dar pra um mês. E no mês seguinte, como faz?"

Por falar em inflação, a profissional de Recursos Humanos, Tita Silva, de 30 anos, até recebeu o seguro-desemprego, mas ele acabou em plena crise, antes que ela pudesse se recolocar. Com um filho pequeno e o salário reduzido do marido professor, ela entrou no ramo de marmitas fitness. O problema é que a inflação, que acertou o segmento de alimentos em cheio, come parte dos ganhos da empreendedora.

"Eu não consigo fazer uma variedade grande de carne. Não consigo por uma carne melhor porque está muito caro e se eu aumentar o preço, perco cliente, tem muita concorrência. Eu até comprei a maquininha de passar cartão para aceitar vale-refeição (VR). Mas liguei para as empresas e elas cobram taxas muito caras de cadastramento e participação nas vendas", diz.

Auxílio emergencial e seguro-desemprego no Congresso

A Medida Provisória que prevê o pagamento e as regras para o novo auxílio emergencial já foi enviado ao Congresso. O texto ainda pode sofrer alterações, mas dificilmente vai incluir novos beneficiários.

Isso porque a verba aprovada para o pagamento foi determinada na PEC Emergencial e limita os gastos com o programa a R$ 44 bilhões. Para se ter ideia da redução do auxílio, no ano passado ele custou R$ 300 bilhões. O aperto foi feito de modo a não extrapolar o teto de gastos do governo, que já está no limite.

Já há emendas parlamentares que pedem o aumento do valor do benefício que vai de R$ 150 a R$ 375 por família para R$ 600, como foi no início do programa do ano passado. De acordo com o líder da oposição na Câmara, o deputado André Figueiredo (PDT), um grupo de deputados está tentando apresentar propostas de financiamento para ampliar o programa e também o acesso ao seguro-desemprego.

"A PEC limitou o valor, mas podemos buscar recursos dentro do orçamento. Só que é difícil de aprovar isso com a maioria que o governo tem agora no Congresso", afirma.

Eles estão de olho nos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que financia abono salarial e seguro-desemprego. No entanto, esses mesmos recursos também estão na mira do governo federal para bancar o programa de suspensão de contrato e redução de salários. Já foi ventilado, inclusive, que o abono salarial terá atraso para custear o programa.

Mais restrições ao seguro-desemprego

A volta do programa de suspensão de contrato, redução e corte de saláriosé uma tentativa de conter as demissões durante a pandemia. Os recursos viriam do FAT. Com menos demissões, haveria menos gente dependendo do seguro-desemprego, o que preservaria o caixa do fundo, que já está alguns bilhões negativo.

Uma das ideias para bancar a nova medida é tornar ainda mais difícil o acesso ao benefício na segunda e terceira solicitação. Hoje, para pedir o seguro-desemprego pela segunda vez, o trabalhador precisa cumprir a carência de 9 meses nos últimos 12 meses antes da demissão. O tempo exigido cai para 6 meses na terceira solicitação.

Com a mudança, a carência se estenderia para período entre 12 e 24 meses, ainda não definidos formalmente em proposta. Dessa forma, pessoas que passam menos tempo entre um emprego e outro teriam mais dificuldade em receber o benefício.

Segundo informações do jornal O Globo, outra medida seria a de reduzir o valor do seguro-desemprego gradualmente, em 10% a cada parcela, até chegar ao valor mínimo de R$ 1.100. Hoje, o trabalhador desempregado pode receber de três a cinco parcelas do seguro-desemprego quando cumpre o tempo mínimo de carteira assinada.

Caso aprovada, o beneficiário só receberia o valor integral do benefício na primeira parcela. E a cada nova parcela haveria um corte de 10% do valor inicial.

Por outro lado, o governo também avalia oferecer uma espécie de bônus aos trabalhadores que conseguirem rápida recolocação no mercado, com pagamento de uma parte do seguro-desemprego mesmo para os que conseguiram nova vaga. Seria uma forma de desencorajar o trabalho informal nos meses cobertos pelo seguro.

Também está sendo estudada a possibilidade de oferecer incentivos para que empresas absorvam desempregados mais rapidamente. Um deles seria a redução de 8% para 2% do recolhimento do FGTS, o que reduziria o dinheiro que vai para o trabalhador. Em troca, a vaga seria assegurada pelo período mínimo de 12 meses.