OPINIÃO

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A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi aprovada por meio do Decreto-Lei 5.452, de 1º/5/1943. A referida norma foi sancionada pelo então presidente Getúlio Vargas e por este assinada em pleno Estádio São Januário (no Rio de Janeiro), que se encontrava apinhado de pessoas naquele histórico dia do trabalhador.

Usualmente, traça-se a origem da CLT na Carta del Lavoro, promulgada durante o governo fascista de Benito Mussolini na Itália, em 1927. A própria espécie normativa por meio da qual foi veiculada a CLT, ou seja, o decreto-lei, foi importada da Itália fascista e introduzida no Brasil pela Carta de Constitucional de 1937, a famigerada "polaca", obra de Francisco Campos. Ainda assim, o exagero da real importância da influência italiana na CLT se trata de uma tentativa de atribuir aos direitos trabalhistas a pecha de "fascistas".

O que muitas vezes se esquece é que houve influências internas muito mais relevantes na confecção da legislação trabalhista brasileira daqueles tempos. Esse esquecimento é superado quando se empreende pesquisa histórica do cenário político-ideológico que embasou a CLT, revelando diferentes nomes e correntes de pensamento. Nesse sentido, as ideias de Oliveira Vianna (1883-1951), bem exemplificam o que foi dito anteriormente.

"Em 1932, durante o Governo Provisório de Getúlio Vargas, o intelectual fluminense passou a integrar as comissões técnicas do Ministério do Trabalho, criado no ano anterior sob a chefia de Lindolfo Collor, com a função de elaborar e sistematizar a legislação social e trabalhista brasileira, da qual foi o principal mentor" [1].

"Oliveira Vianna concebeu a sociedade organizada a partir de corporações profissionais, idealizando a ação mediadora do Estado como referência principal à efetivação dos seus postulados e assim contribuiu decisivamente com a construção de uma teoria autoritária no Brasil dos anos trinta" [2].

A preocupação de Oliveira Vianna com a legislação trabalhista "correspondia ao ideal castilhista — e positivista — da incorporação do proletariado à sociedade" [3]. Essa afirmação revela que as origens ideológicas da CLT remontam ao século XIX, muito antes da ascensão dos fascistas italianos ao poder, que só ocorreu em 1922 após a "Marcha sobre Roma".

Nas palavras de Gilberto Bercovici, "a grande influência ideológica na legislação do trabalho foi justamente a do positivismo de Auguste Comte, adaptado ao Rio Grande do Sul pelo líder republicano Júlio de Castilhos, fundador do Partido Republicano Riograndense (PRR, o partido de Getúlio Vargas durante a Primeira República). A proposta do positivismo castilhista era a de uma política de eliminação do conflito de classes pela mediação do Estado, com o objetivo de integração dos trabalhadores à sociedade moderna. Proposta esta implícita na elaboração das leis trabalhistas durante o Governo Provisório e, especialmente, durante o Estado Novo" [4].

A doutrina social da Igreja Católica, materializada principalmente na encíclica Rerum Novarum, escrita pelo Papa Leão XIII em 1891, também influenciou de maneira decisiva os debates sobre a relações de trabalho e as condições dos trabalhadores na primeira metade do século 20.

Até mesmo as ideias de Pontes de Miranda, o emblemático jurista, podem ser ligadas ao processo de reflexão político-jurídica que culminou na CLT. Em diversas obras de sua autoria dos anos 1930, Pontes de Miranda utilizava-se da "Teoria da Integração", de Rudolf Smend, para defender uma concepção de cooperação e colaboração entre as classes, repudiando a luta de classes, o que também fundamenta a elaboração das leis trabalhistas no Brasil, cuja incorporação como política deliberada de Estado deu-se com a Revolução de 1930, segundo Bercovici [5].

Logo, em meio a profusão de intelectuais, juristas e correntes de pensamento que exerceram grande influência ideológica na elaboração da legislação trabalhista brasileira, diminuir a Consolidação das Leis do Trabalho a mera cópia da Carta del Lavoro italiana constitui um reducionismo oportunista.

Outra crítica comum é aquela que faz a ingênua associação entre o corporativismo de Vargas, materializado na novel legislação trabalhista, e o autoritarismo de seu governo, o que pode levar a críticas levianas aos direitos trabalhistas. Do mesmo modo, assombrar tais direitos com o espectro nefasto de Mussolini não lhes faz justiça.

Em verdade, o salário mínimo, a jornada de oito horas, a proibição do trabalho a menores de 14 anos, as férias anuais remuneradas e a indenização ao trabalhador despedido são direitos que sobreviveram à ditadura do Estado Novo. De modo análogo, a norma que conferiu estatura legal a tais direitos atravessou as últimas sete décadas, mesmo sendo constante e duramente atacada.

Não obstante, em pleno século 21, os benefícios de uma "carteira assinada" permanecem caros no imaginário popular. Aos críticos dos direitos trabalhistas, pergunta-se: será realmente possível enxergar um mínimo traço do ranço fascista no sorriso de um trabalhador em seu primeiro dia de férias?

 

[1] CHAVES, Luís Guilherme Bacelar. FRANCISCO JOSÉ DE OLIVEIRA VIANA. In: ABREU, Alzira Alves de et al (coords.). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro — Pós-1930. Rio de Janeiro: CPDOC, 2010. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/francisco-jose-de-oliveira-viana. Acesso em: 3/6/2021.

[2] ARRUDA, Hélio Mário de. OLIVEIRA VIANNA E A LEGISLAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL 1932-1940. 2006. Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade Federal do Espírito Santos, Vitória, 2006.

[3] RODRÍGUEZ, Ricardo Vélez. Castilhismo: uma filosofia da República. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 200. Disponível em: https://livraria.senado.leg.br/castilhismo-uma-filosofia-da-republica-vol-145. Acesso em: 3/6/2021.

[4] BERCOVICI, Gilberto. O Estado Integral e a Simetrização das Classes Sociais em Pontes de Miranda: O Debate dos Anos 1930. Revista Direito e Práxis, [S.l.], v. 6, n. 2, p. 272-293, jun. 2015. ISSN 2179-8966. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/16528/12415. Acesso em: 3/6/2021. doi: https://doi.org/10.12957/dep.2015.16528.

[5] Idem.

 advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Minas Gerais (OAB-MG) e membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-MG - Subseção Contagem.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2021-jun-06/boomen-origens-clt-alem-fascismo-italiano