Por Gustavo Ferreira, Valor Investe — São Paulo

As páginas da história não se fazem sem turbulência. E este capítulo que vivemos, ainda longe de um desfecho imprevisível, sacudiu os ativos nacionais na semana encerrada nesta sexta-feira (10).

Não é nada trivial um presidente da República convocar sua claque para afrontar decisões da Suprema Corte. Tampouco, 48 horas depois, refugar. E pedir ajuda ao mandatário anterior para escrever uma nota de repúdio contra si mesmo. Na qual desdiz o próprio cometimento de crime de responsabilidade, passível de impeachment. E avisa respeitar a independência dos Poderes que ele mesmo achincalhou.

Esse cenário, convenhamos, não teria como não se refletir no mercado com muito sobe, desce, empina e rebola. Ainda mais considerando a estagflação prometida para breve, com crescimento estagnado e inflação sem arrefecer. Sob influência, claro, dos passos reiteradamente em falso de Jair Bolsonaro. Dirigente da locomotiva chamada Brasil, afeito ao ritmo de montanha-russa.

O Ibovespa teve um espasmo após a carta de Bolsonaro. Na quinta (9) subiu 2%, depois da queda de 4% que sucedeu o 7 de setembro. Mas confiança é como um vaso bonito. Se você derruba no chão, sapateia nos cacos e espalha cada um deles pelos cantos da casa, não é simples de refazer como foi quebrar. Com queda de 0,93% nesta sexta, o índice cedeu 2,26% na semana, aos 114.286 pontos.

As maiores portas de acesso à bolsa brasileira foram justamente as mais avariadas na semana.

  • Dos 9% de carteira teórica ocupados pela Petrobras, acumularam 4,47% de perdas as ações ordinárias (ON, com direito a voto em assembleias) e 3,34% as preferenciais (PN, com preferência de dividendos). Em paralelo, os preços do petróleo no mercado futuro de Londres andaram de lado na faixa dos UR$ 72 por barril;
  • Das 14% de espaço ocupados apenas pelas ações da Vale, a contribuição semanal de baixa ao Ibovespa foi de 3,70%. Pouca coisa até, se considerarmos os preços do minério de ferro na China tendo acumulado queda de quase 10%, à altura dos US$ 130 por tonelada;
  • No grupo de pouco menos de 20% ocupados pelo setor financeiro no carteira, praticamente todas as ações apanharam. Não teve perspectiva de receitas mais gordas com juros em alta que impedissem a queda de 5,89% dos papéis ON do Bradesco, a maior dos bancões ao longo da semana. Já as ações da B3, justamente com a mesma perspectiva incentivando a migração da renda variável à fica, acumularam desvalorização de 0,71%.

As 91 ações do Ibovespa movimentaram ao longo da semana a média diária de R$ 22 bilhões. Do grupo, 60 fecharam a semana acumulando perdas.

Depois de cair 3% e subir outros 2%, o preço do dólar no mercado à vista subiu 0,89% nesta sexta, aos R$ 5,2661. Ao longo da semana, o real acumulou desvalorização de 1,59% frente à moeda americana.

Em dólares, portanto, a queda do Ibovespa na semana foi de 3,80%. Bem acima do recuo médio dos mercados acionários emergentes, de 1,19%, medida pelo índice MSCI Emerging Markets.

Marco Maciel, sócio e economista da Kairós, está no time amplo de desconfiados do mercado quanto à carta redigida por Michel Temer. Aliás, não mais Paulo Gudes servindo de fiador do governo junto aos agentes do mercado, o vice de Dilma parece disposto a assumir a lacuna de modo nada decorativo. A ponto de ter marcado conferência com analistas e gestores durante a tarde.

"A carta deu uma acalmada imediata nos ativos que serve de demonstração evidente do que o destempero politico é capaz. Mas dá para confiar?", afirma e questiona Maciel.

"Prometer o que prometeu para a plateia e depois voltar atrás? Digamos que Bolsonaro tenha apoio de pelo menos uns 5% da população que são mais radicais, querem a volta da ditadura, um novo AI-5, essas coisas, que vibrou com o discurso feito na avenida Paulista. Mas que, surpreendidos pela carta, deixem de apoiar o presidente. Podemos ter como efeito reverso um Bolsonaro ainda mais radical na tentativa de reverter essa perda de apoio", diz.

Embora a cortina de fumaça política levantada pelo presidente seja espessa, a economia degringola. A inflação, a exemplo da maior alta de agosto em 21 anos, mês a mês vai superando expectativas. Nesse embalo, a cada susto oferecido pelos índices de preços, as projeções para a Selic vão sendo puxadas para cima. Já se fala em 10% de Selic, algo inimaginável quando o ano começou aos 2% ao ano. Seja até os dois dígitos ou não, conforme juros forem subindo, será achatado o potencial de crescimento da atividade nacional.

É de se esperar, portanto, por manutenção das taxas de desemprego não muito distantes dos níveis recordes atuais. O mesmo vale para a pobreza, implicando maior necessidade de gastos com políticas públicas. Justamente para um governo cuja incapacidade de cortar despesas o obriga a tentar legalizar mais um furo no teto de gastos, semelhantemente à manobra para pagar auxílios emergenciais. Sem a qual, milhões de novos pratos ficarão sem comida em pleno ano eleitoral. Receituário certeiro de derrota na tentativa de reeleição do presidente.

Bolsonaro vai ficar quietinho, lá no canto dele, republicano como nunca foi, conforme vê a popularidade parca minguar mais? Enquanto pesquisas projetam vitória de todos os outros candidatos contra ele em eventual segundo turno? Pode ser. Mas se gato escaldado tem medo de água fria, não é sem razão.

Caso Bolsonaro respeite o teor do que assinou, explica Maciel, o quadro econômico para o próximo ano já não é de se fazer votos se multiplicarem. Na Kairós, trabalha-se com um Banco Central (BC) tendo de jogar a Selic dos atuais 5,25% ao ano até perto dos 9% ainda em 2021. Correndo tudo dentro do previsto, derrubaria a inflação hoje na faixa dos 10% para perto dos 4% até o fim de 2022. Sob o custo de um crescimento econômico, no melhor do melhor dos casos, de só 1,5%.

Se a bolsa e o dólar tiveram recuperação momentânea do solavanco após o 7 de setembro, a curva de juros nem isso. Não arredou de ponta a ponta do caminho de alta, sem se deixarem comover pelas letras bonitas cunhadas pelo ex-presidente, e poeta, Michel Temer.

  • Para 2023, sensíveis especialmente às previsões de próximos passos da Selic, taxas de contratos de Depósito Interfinanceiro (DI) escalaram de 8,67% a 9,16% da última sexta até esta. Vale registrar que, no começo do ano, estavam nos arredores de 4%.
  • Para 2031, essencialmente regidas pelo cheiro de chapéu futuramente dado pelo governo nos seus credores, taxas DI subiram de uma semana a outra de 10,77% a 11,01%. Muito acima dos 7% então habitados em janeiro.

Marco Maciel, da Kairós, e Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Panamby Capital, são os convidados do próximo programa Abrindo os Trabalhos. Nesta segunda (13), 8h30. Este é o link da transmissão. Aperte o botão de "lembrete" para não perder.

Fonte: Valor Investe

https://valorinveste.globo.com/mercados/renda-variavel/bolsas-e-indices/noticia/2021/09/10/nao-colou-bolsa-cai-e-dolar-sobe-mesmo-com-socorro-de-temer-a-bolsonaro.ghtml