OPINIÃO

Jornalismo não se resume a noticiar os fatos. Para fazer jus ao nome, jornalismo é a atividade que, além de noticiar, contextualiza, analisa e equilibra as narrativas. De tal sorte que cada uma delas ganhe nas páginas, nos sites, nos programas de rádio e nos telejornais, o espaço, o tempo e o destaque que merecem, segundo sua importância.

Esse equilíbrio, fundamental na atividade jornalística, foi rompido, na última semana, quando duas viagens internacionais importantes aconteceram simultaneamente. Bolsonaro foi aos emirados árabes, com uma comitiva de fazer inveja aos emires que reinam nos lugares onde esteve, supostamente para vender oportunidades de negócios no Brasil. Fez um périplo sem qualquer resultado prático. Enquanto Lula, de sua parte, fez um périplo pela Europa, onde cravou  críticas severas ao atual governo do Brasil e consolidou seu lugar no cenário político como principal nome da oposição para enfrentar Bolsonaro em 2022.

A tendência natural e automática da imprensa é e sempre foi a de dar mais importância aos atos e palavras do detentor do poder da hora. Cada movimento do Presidentes, dos governadores e dos prefeitos é  acompanhado com lupa grossa. Já aos representantes da oposição resta o que sobra de espaço – um pé de página de jornal aqui, uma nota coberta num noticioso de tv ali, um registro ligeiro num noticioso de rádio e um ou outro registro num site da internet acolá.

Mas, no atual momento do país, veículos de imprensa que ainda continuam agindo com base nesta lógica estão incorrendo em falta grave, prestando um enorme desserviço aos seus ouvintes, leitores e telespectadores. Estão sonegando informação relevante. E, assim, estão desequilibrando o noticiário, privilegiando um lado em detrimento do outro. Na teoria, a imprensa teria a obrigação – e não a opção – de equilibrar as coberturas, dando a cada player do tabuleiro político o espaço e o tempo que merecem.

Na prática (com amparo até na legislação), não é assim que as coisas acontecem. Ocupantes do Executivo nos três níveis – presidente, governadores e prefeitos – têm à sua disposição espaços legalmente destinados à divulgação de suas atividades, sob a rubrica de “prestação de contas”. Só que, sob esse rótulo, e por falta de uma legislação precisa sobre os limites na realização das peças publicitárias, o que se verifica é uma profusão de produções destinadas exclusivamente à promoção pessoal do chefe do executivo que, com isso, desequilibra a balança a seu favor, nas futuras disputas eleitorais, seja pela reeleição, seja pela disputa de cargos de maior relevo. À oposição resta chupar o dedo. Ou, no máximo, contar com um registro na Voz do Brasil. E olhe lá.

Se já ocorre assim na propaganda, digamos, “oficial”, a situação fica extremamente mais grave quando a mídia de mercado resolve, por conveniência ou interesse, desequilibrar a balança e privilegiar um player político em detrimento de outro. Foi o que aconteceu com a vitoriosa viagem de Lula à Europa. Lideranças políticas de expressão mundial como om presidente francês Emmanuel Macron, o futuro primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz, entre outros, receberam Lula com pompas de chefe de estado. Sem contar que foi demoradamente aplaudido de pé no Parlamento Europeu. Mas, por aqui, não se viu nada. Ou se viu muito pouco. Enquanto isso, Bolsonaro cumpriu uma agenda protocolar e assim foi recebido por onde passou. Nem poderia ser diferente porque, mesmo nos países governados pela extrema-direita, Bolsonaro não desfruta de popularidade que lhe permita uma recepção além dos rituais do cerimonial. Mas a grande mídia abriu-se em espaço e tempo, na cobertura de uma viagem que valeu mais pela pompa e os gastos assombrosos, num dos momentos mais difíceis da economia brasileira, o que equivaleu a um escárnio com a fome e a miséria crescentes no país.

A mídia tupiniquim ocultou a viagem de Lula tão bem que conseguiu o prodígio de ficar atrás, na cobertura, aos espaços destinados ao ex-presidente nos veículos mais prestigiados da imprensa estrangeira.

Tais fatos não são apenas chocantes. São lamentáveis e revoltantes. Sobretudo num dos momentos cruciais da vida política brasileira, quando a própria democracia vem sendo atacada e solapada diariamente. Com um Congresso manietado pelo atual governo a peso de emendas e cargos, resta pouco ao cidadão além de esperar até 2022. Até lá, Bolsonaro e sua gangue seguirão firmes no propósito de demolir tudo. Rigorosamente tudo o que forma os alicerces de uma nação que já passou por duas ditaduras mas ainda não aprendeu nada, porque continua flertando com o autoritarismo fascista do atual governo e lhe garantindo presença forte e preocupante nas eleições daqui a um ano, conforme revelam as pesquisas.

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