OPINIÃO

Por  e 

Como sabem, outubro é o mês em que todas as pessoas destinam um olhar especial à saúde física das mulheres com o conhecido "Outubro Rosa".

Olhar gênero, olhar a mulher e sua saúde é um tema de suma importância. As organizações, em linhas gerais, fazem campanhas voltadas para a saúde de seus colaboradores, mulheres incluídas, em especial em linha com o Sesmt (serviço especializado em engenharia de segurança e em medicina do trabalho) que aponta para a necessidade, para não dizer obrigatoriedade de ter esse tipo de evento nas organizações.

O seu objetivo é garantir um ambiente de trabalho mais seguro aos colaboradores, além de prevenir doenças ocupacionais.

Isso, pois bem, atua de forma positiva quanto à saúde, auxilia assim, na diminuição do turnover, na sinistralidade e, é bem verdade que há um ganha-ganha nisso.

No entanto, quando olhamos para o tema "Outubro Rosa", é importante aprofundarmos um pouco no ser mulher e do quanto que efetivamente avançamos na temática do feminino, com destaque para o mundo do trabalho.

Como se automaticamente fossemos lançados para o pensamento: Está, ok até aqui, mas o quanto avançamos na equidade de gênero?

Experiencialmente, março é o mês que muito sobre isso é falado, fazendo o link com o dia Internacional da Mulher e o dia das mães em maio. Mas, como vemos, a mulher e o mercado de trabalho são um tema para o dia-a-dia e, por isso, outubro também é o momento adequado para esse diálogo ora proposto.

Para iniciar, indagamos quais os avanços nas relações de gênero ocorridas no Brasil e no mundo desde a criação da Organização das Nações Unidas (ONU)?

É verdade, de modo geral, que temos sim conquistas substantivas das mulheres nas últimas décadas. Mas também vemos uma revolução incompleta, com manutenção da divisão sexual entre trabalho produtivo e reprodutivo, o que limita a autonomia e o empoderamento das mulheres na família e na sociedade.

Retrato disso podemos citar o Congresso que, embora represente os estados (Senado) e a população (Câmara), conta com apenas 15% de parlamentares mulheres neste, e 14% de mulheres naquele. E se observarmos a população brasileira como um todo, poderemos verificar que as mulheres representam 52,8% do eleitorado brasileiro.

Também ainda em reflexão, quais as políticas públicas para garantir a equidade de gênero no Brasil? É sabido que estas políticas são, ainda, muito tímidas. No entanto, se pensarmos que tem menos de cem anos que as mulheres ganharam o direito de votar; que somente em 1827 as mulheres passaram a frequentar as escolas no Brasil (e não eram todas sendo sua essência voltada para a formação de professoras); somente em 1962, com o advento do Estatuto da Mulher, esta, e desde que casada, deixou de ser civilmente incapaz e, por fim; em 2006 é sancionada a Lei do Feminicídio também conhecida como Lei Maria da Penha, que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres.

Ou seja, se olharmos para trás, percebemos que a participação das mulheres em muitos espaços, incluindo os públicos, é ainda tímida e por razões claras. Essa revolução está incompleta! E essas evoluções, ainda acanhadas, se refletem nos espaços privados, conforme apontado em estudo recente feito pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-IBRE) e divulgado em 08/03/2022.

Tal estudo utilizou, como base, a análise dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do ano de 2021, do IGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), entre os anos de 2014 e 2019. O resultado concretiza a percepção da ausência ou da pouca participação feminina no Mercado de Trabalho.

De acordo com o citado estudo, a taxa de participação feminina no mercado de trabalho cresceu continuamente e atingiu 54,34% em 2019, embora sempre tenha o índice de desemprego ficado acima da média. Por exemplo, em 2021, o índice de desempregadas era de 16,45%, enquanto a média total era de 13,20%.

Em 2020, com a pandemia, o índice da participação feminina no mercado de trabalho recuou para 49,45% e ficou inferior ao início da série histórica, em 2012, que registrou 51,58%. Em 2021, houve uma leve melhora para 51,56%. Os números são, ao menos, 20% inferiores aos dos homens.

E aqui é importante mencionar que, de acordo com reportagem de Denise Neumann para o Valor Econômico, cujos dados foram extraídos do Rais 2020, em cada cem empregados percebendo remunerações acima de 20 salários-mínimos, apenas 30 são mulheres. E esse cenário não sofreu grandes mudanças nos últimos 20 anos já que, em 2022, eram 23 mulheres nesta faixa salarial contra 87 homens.

Especialmente na indústria farmacêutica a participação das mulheres com salários superior a 20 mínimos é superior à média geral. São 40,6% de mulheres percebendo salários acima dos 20 mínimos, ocupando o segundo maior índice entre os demais setores. Fora destacado que neste setor, a presença de mulheres vem em expansão, ficando atrás somente da prestação de serviços em saúde, cuja participação feminina resulta em 45,1%. É este último, portanto o setor mais próximo da equidade de gênero.

E de uma forma geral, englobando todos os setores, é possível verificar que as mulheres também são as mais qualificadas: 60% possuem graduação superior, 57,6% possuem mestrado, 52,7% possuem doutorado e 50,5% ainda estão com superior incompleto, independentemente da posição que ocupam ou salário que recebam.

Não há dúvidas, portanto, que diante de tal diferença, tornam-se as políticas afirmativas visando a contratação e evolução profissional das mulheres uma excelente prática de materialização do "S", caráter social do ESG. E, melhor, com retorno mais rápido e facilmente calculável.

E nesta linha, as empresas que inserirem no seu portfólio políticas afirmativas que visem a prioridade na contratação de mulheres, ou sua participação prioritária em programas de mentoria e sucessão, certamente estarão à frente sob a ótica da política ESG que vem sendo tão falada.

A indústria farmacêutica será sábia se aproveitar essa mudança que vem ocorrendo até mesmo organicamente como propaganda positiva visando difundir sua efetiva atuação como agente de mudança. Sem falar na busca pelo atingimento da equidade de gênero com evoluções positiva como materialização de política ESG.

E aqui abrimos um destaque para, uma vez mais, ressaltar que a adoção de políticas afirmativas no âmbito trabalhista, e desde que tenha critérios objetivos que, normalmente são historicamente justificáveis, tem tido a chancela do Ministério Público do Trabalho. Ou seja, a adoção desta estratégia nas estruturas empresariais tencionando botar em prática mais uma medida de ESG focada na equidade de gênero, quando planejada pelo RH com o apoio do Jurídico, praticamente não traz riscos e, se eventualmente aparecem, são mínimos.

Vale aqui salientar, tal qual já falamos em outra oportunidade, que para o valuation das companhias, atualmente, as medidas ESG trarão importante contribuição, destacando que agora o importante não é o número de empregadas, mas sim em quais posições elas estão dentro da Organização.

Em adição a isso, a equidade de gênero é uma das ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da ONU, sendo inclusive base para o compromisso assinado por mais de 90 países, incluindo o Brasil, junto à ONU Mulheres, chamado: Por um planeta 50-50 em 2030.

E se as empresas souberem trabalhar externamente na divulgação desta atuação, certamente haverá uma exposição positiva da marca e, por consequência, uma estimativa de valor justo (ou intrínseco) maior também.

E pensando nesta necessidade cada dia mais proeminente, surgiu o "Emprega + Mulheres", inserido no ordenamento jurídico através da edição de uma Medida Provisória que, após votada no Congresso Nacional, foi sancionada com vetos e tornou-se a ser a Lei Federal de nº 14.457/2022.

De início, importa salientar que muito embora seja referida Lei conhecida como "emprega + mulheres" grande parte dos dispositivos são direcionados não para elas na condição de mulheres, mas para os pais. É possível vislumbrar uma preocupação maior no balanço das obrigações com a parentalidade, oportunizando também aos pais a participação na educação e evolução de seus filhos do que propriamente o incentivo à contratação de mais mulheres. Cita-se, por exemplo, os artigos 2º a 14º dos 35 artigos da Lei, que mencionam 'os pais' e não 'as mulheres'.

Por óbvio existiram medidas destinadas somente a elas como, por exemplo, o estímulo à ocupação das vagas de gratuidade dos serviços sociais autônomos (artigo 16 da Lei) e a concessão de microcrédito com condições diferenciadas para as mulheres (artigo 29 da Lei).

Ainda, tem-se que a referida Lei provocou mudanças na Cipa que, embora adotando a mesma sigla, passou a abarcar o assédio na agenda do dia (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio); na Lei 11.770/2008 — Empresa Cidadã — para autorizar que a prorrogação da licença-maternidade possa ser compartilhada entre os pais e para possibilitar a substituição dessa prorrogação por redução de jornada de trabalho em 50% pelo período de 120 dias, sem prejuízo remuneratório.

Regulou, de maneira expressa, as regras para formalização de acordos individuais, a adoção de medidas de prevenção e combate ao assédio sexual e outras formas de violência no âmbito do trabalho, além de incentivar a implantação de programas visando aumentar o acolhimento e proteção de suas empregadas em situação e violência doméstica e familiar.

Por fim, criou o selo "emprega + mulher" com a intenção de reconhecer aquelas empresas, microempresas e empresas de pequeno porte que, dentre outras, adotarem boas práticas que estimulem a contratação e ascensão profissional e mulheres, a divisão igualitária das responsabilidades parentais, a promoção da cultura de igualdade entre homens e mulheres e a oferta de acordos flexíveis de trabalho.

Por óbvio que esta Lei está muito aquém de produzir grandes mudanças estruturais na sociedade, porém não deixa de ser um passo no sentido de viabilizar políticas públicas que visem atingir, em sua plenitude, a equidade de gênero.

Quem sabe, futuramente, sejam incluídos incentivos fiscais e econômicos agressivos para tornar mais atrativa a contratação de mulheres, ao invés de se limitar a certificar essas empresas que adotarão as medidas de contratação e desenvolvimento profissional voltadas para as mulheres?

Vamos aguardar os desdobramentos decorrentes da nova Lei em vigor desde 22/9/2022 e as cenas dos próximos capítulos.

"Vivemos todos sob o mesmo céu, mas nem todos temos o mesmo horizonte". (Konrad Adenauer)

 é SVP da Marsh Brasil.

 é especialista em Direito do Trabalho e sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2022-nov-07/chilottie-pedroso-mulheres-mercado-trabalho