REFLEXÕES TRABALHISTAS

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Nos últimos 30 dias, a tônica do discurso dos empossados, presidente da República, presidente do Senado e presidente da Câmara, foi de insistir no sentido de que as questões de natureza política não fossem judicializadas a fim de que se respeitassem os princípios democráticos da divisão de Poderes da República.

O presidente do Senado, quando esteve na cerimônia de abertura do ano judiciário no STF afirmou a "[...] obrigação constitucional de convivermos em harmonia. Qualquer gesto que vise à desarmonia entre os Poderes da República afronta a Constituição".

O presidente da Câmara, Arthur Lira, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, lançou uma autocrítica ao Legislativo afirmando que "o processo de criminalização da política, iniciada há quase uma década, abalou a representatividade de diversas instituições e seus representantes. Não dá mais para que as decisões tomadas nesta Casa sejam constantemente judicializadas e aceitas sem sustentação legal. Resta a nós, investidos pelo poder popular, exercer a cada dia a boa política do entendimento, da conciliação e do equilíbrio".

Segundo o mesmo jornal, no dia 27 de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu aos líderes de partidos da base aliada do governo para que deixem de "judicializar a política". Em outro momento disse "aos aliados que não acionem o Supremo Tribunal Federal (STF) como instância revisora das leis aprovadas pela Câmara e pelo Senado, quando estas desagradam aos interesses do Palácio do Planalto, reconhecendo que seu partido e aliados têm 'culpa por tanta judicialização'".

"Eu tenho pedido aos meus colegas líderes do partido que é preciso parar de judicializar a política. Nós temos culpa de tanta judicialização. A gente perde uma coisa no Congresso Nacional e, ao invés de a gente aceitar a regra do jogo democrático de que a maioria vence e a minoria cumpre aquilo que foi aprovado, a gente recorre a uma outra instância para ver se a gente consegue ganhar", disse Lula.

A sintonia de tais discursos parece guardar relação muito próxima com o que se espera no âmbito do direito coletivo do trabalho.

Desde a Constituição Federal de 1988, a garantia de liberdade sindical e de organização sindical, portanto, têm passado usualmente pelo crivo de decisões judiciais definidoras da forma e modelo pelos quais os trabalhadores devem se organizar, definindo categoriais e excluindo interesses de agrupamentos profissionais, tudo sob o manto da preservação da unicidade sindical, sustentada exclusivamente pelo exercício do monopólio herdado desde 1943. Em resumo, o que se pretendeu mudar, não mudou porque o Judiciário decidia questões de natureza política.

Com o advento da reforma trabalhista de 2017 e a exclusão da contribuição sindical compulsória, tais situações tendem a mudar.

Trata-se especialmente de reconhecer a organização sindical com a expectativa gerada a partir das novas formas de entrega de trabalho e de prestação de serviços que, em todos os sentidos, deverá produzir uma transformação enorme na organização dos trabalhadores enquanto classe.

O MTE publicou, em 3 de fevereiro, Portaria de nº 217, pela qual suspendeu, pelo prazo de 90 dias, "todos os procedimentos de análise, bem como as publicações relativas a processo de registro sindical" com a finalidade de adequação de procedimentos administrativos e normativos. Essa publicação ensejou comentário no Instagram do professor Marcus Kaufmann em que ele observa o ideal de caminharmos para a "autorregulamentação do sistema como a PEC 196/2019 ou PL 5.552/19", lançando ao final a esperança de que seja superado o que chamou de "bater cabeças" no modelo de "mitigada intromissão estatal nos afazeres sindicais por conta dessa necessidade de regramento dos procedimentos pelo dever governamental de 'zelar' pela unicidade (Súmula 677/STF) enquanto se prejudicam, aqui e acolá, a autonomia sindical em procedimentos de alteração estatutária, de fusão e de incorporação sindical".

A judicialização política de questões trabalhistas refere-se, como dito anteriormente, à formação de novos sindicatos profissionais que, com a liberdade sindical que a Constituição Federal reconhece, venham a se apresentar como legítimos representantes e capazes de entabular negociação coletiva válida e eficaz. Não há mais espaço para controle da unicidade sindical pelo Ministério do Trabalho como pretende a Súmula 677 do STF, mais apegada a outro momento de ajuste constitucional. Com a extinção da contribuição sindical compulsória, o controle de polícia que fazia o Ministério do Trabalho, para assegurar o encaminhamento de valores arrecadados, foi ultrapassado.

Nos dias atuais, merecem destaque as organizações sindicais ou associações profissionais legítimas, que tenham ressonância como porta-voz da vontade dos representados.

A disputa entre sindicatos com o objetivo de buscar arrecadação acabou e nem mesmo, finalmente, a identificação de trabalhadores sindicalizados é permitida em razão do respeito à privacidade ideológica, reforçada pela Lei Geral de Proteção de Dados.

Dito isto, está claro que caminhamos para outro momento nas relações coletivas de trabalho. O que se espera é que não haja judicialização de questões de política sindical, permitindo que o Judiciário Trabalhista, de forma anômala como tem feito mesmo após a CF/88, venha a estabelecer regras, ferindo o princípio da liberdade sindical, ignorando a não interferência do Estado.

Deste modo, segue-se a orientação dos discursos do novo governo e lideranças das Casas do Legislativo no sentido de dar autonomia às formas de organização sindical legítimas e consistentes, sem judicialização.



 é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2023-fev-10/reflexoes-trabalhistas-judicializacao-politica-sindical-relacoes-coletivas-trabalho