Governo Bolsonaro terá de lidar com inflação mais alta em 2019, preveem analistas

Lucas Vettorazzo
RIO DE JANEIRO

A inflação brasileira fechou 2018 em 3,75%, divulgou nesta sexta-feira (11) o IBGE, na esteira da lenta retomada da atividade econômica no país, da queda mais recente do preço dos combustíveis e da redução do preço dos alimentos frente ao verificado dois anos antes.

Considerando apenas dezembro, o IPCA, índice oficial de inflação no país, ficou em 0,15%, contra deflação (queda líquida de preços) de 0,21% em novembro. Essa foi a menor variação para um mês de dezembro desde a instauração do Plano Real no Brasil, em 1994.

No cômputo anual, o indicador ficou abaixo do centro da meta estipulada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), do Banco Central, pelo segundo ano consecutivo. A meta para 2018 era de uma inflação de 4,5%, com intervalo de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos (entre 3% e 6%, portanto).

Apesar da melhora da taxa de desemprego em 2018, a renda do trabalhador não aumentou significativamente e as novas vagas no mercado estiveram concentradas no segmento informal. O nível dos investimentos não retomou patamares pré-crise, a despeito da melhora da confiança do empresariado, e ainda há capacidade ociosa na indústria.

Aliados à retomada que não se concretizou como o esperado em 2018, esses fatores contribuíram para a manutenção em patamares baixos da inflação.

O IPCA mais baixo observado em dezembro decorreu principalmente da deflação dos preços de transportes (-0,54%), com redução no custo da gasolina, e desaceleração no grupo de habitação (0,15%), com redução da energia elétrica. 

Em dezembro, o preço médio da energia elétrica caiu 1,96%, após queda de 4,04% em novembro. Já os combustíveis tiveram queda de 4,25%, após um novembro em que os preços ficaram 2,42% mais baratos.

Ainda assim, a gasolina fechou o ano em alta de 7,24% no acumulado em 12 meses. Os combustíveis representam 5% do IPCA. No acumulado do ano, o preço da energia elétrica subiu 8,70%.

ALIMENTOS

Já os preços dos alimentos, vilões da inflação em 2015 e em 2016, voltaram a patamares normais em 2018 depois de um 2017 de safras recordes.

O indicador fechou dezembro em 0,44%, ligeira alta frente a novembro (0,39%). No acumulado do ano, a variação foi de 4,04%. Apesar da alta, o patamar é o mais baixo desde 2009, se desconsiderada variação negativa de 2017, quando houve deflação de 1,87%. Em 2015, por exemplo, a alta dos alimentos havia sido de 12,03%, enquanto no ano seguinte, foi de 8,62%.

Mesmo assim, segundo o IBGE, foi o grupo que mais influenciou o resultado anual do IPCA, com alta em produtos importantes como batata (20,0%), cebola (24%) e tomate (71,76%).

Os itens que deram alívio na inflação no mês passado foram os mesmos que pesaram no indicador no acumulado do ano. Habitação (4,72%), transportes (4,19%) e alimentação e bebidas (4,04%) tiveram altas que pressionaram o IPCA para cima, mas não foram suficientes para tirar índice do centro da meta.

"Podemos dizer que a inflação encerrou 2018 sob controle", afirmou Fernando Gonçalves, gerente do Sistema Nacional de Índice de Preços do IBGE.

“As maiores variações no ano foram em Habitação e Transportes, além de Educação, com destaque para a alta nos cursos regulares, com 5,68%. Na Habitação, o maior impacto veio da energia elétrica, e, nos Transportes, destaque para a passagem área, a gasolina e o ônibus urbano”, disse Gonçalves.

TAXA DE JUROS

A inflação controlada  foi o que motivou nos últimos anos movimento de redução da Taxa Selic, a taxa básica de juros, que atualmente está em 6,5% ao ano. Arbitrar juros é uma das formas que o Banco Central tem de atuar no controle da inflação, por meio do incentivo ou não do consumo da população e do investimento das empresas.

Juros mais baixos podem servir como incentivo ao consumo de bens como imóveis, automóveis e eletrodomésticos. A construção civil, por exemplo —único setor da economia que ainda não voltou a contratar mais consistentemente— é intensiva em capital e sensível aos juros mais baixos.

Na outra ponta, juros mais altos podem ser usados como inibidores do consumo em momentos de preços em descontrole.

PRÓXIMOS MESES

Para 2019, analistas esperam inflação em 12 meses entre 4% e 5% ao ano —aumento, portanto, em relação ao verificado no ano passado. Enquanto as projeções do último Boletim Focus estão em 4,01%, já há analistas que estimam o indicador um ponto percentual mais alto.

O consenso é que a melhora da economia poderá ser acompanhada de aumento do consumo e, consequentemente, de preços.

O analista da RC Consultores Everton Carneiro afirma que depois de dois anos de margens ruins, os empresários podem querer compensar perdas recentes com reajustes no momento em que a atividade econômica der sinais de melhora sustentável.

Além disso, diz ele, pode haver altas pontuais de alimentos e de combustíveis, já que esses últimos acompanham as oscilações de preços internacionais. Além disso, os alimentos são mais suscetíveis a questões climáticas, difíceis de prever com muita antecedência.

"Ainda que a inflação venha aos poucos mais alta, o indicador não sairá da meta de uma hora para a outra, o que pode abrir espaço para mais cortes de juros", disse.

Arbitrar juros em momento de inflação e atividade econômica em alta deverá ser o desafio do governo Bolsonaro, afirma Carneiro. Para ele, o Banco Central terá que fazer um cálculo fino para decidir entre aumentar ou não os juros quando a inflação voltar a subir no país.

Carneiro diz acreditar, contudo, que os juros devam ficar em 6,5% ao longo de quase todo o ano, com leve alta para 7% no final do segundo semestre, em linha com o que esperam analistas ouvidos pelo Boletim Focus, do Banco Central.

"Acredito que o governo Bolsonaro, nesse aspecto específico, trabalhará entre a cruz e a espada, tendo que tolerar uma inflação mais alta sem mexer nos juros para não comprometer a retomada", disse Carneiro.

Folha de S.Paulo