Ministro da Economia propõe outra reforma que vai causar muito conflito político

ministro Paulo Guedes (Economia) quer acabar com a obrigação do governo de gastar nisso ou naquilo e de reajustar certas despesas. Para que tal medida revolucionária tenha algum efeito nas contas federais, o que deveria acontecer, na prática?

1) Fim do reajuste obrigatório de salários, aposentadorias etc.;

2) Demissão facilitada de servidores;

3) Corte em saúde e educação.

No caso de estados e municípios, não seria muito diferente, embora a parte maior da conta tenda a ficar com os funcionários públicos.

Guedes foi enfático. Disse ao jornal O Estado de S. Paulo que em breve vai mandar ao Congresso projetos a fim de implementar seus planos, de modo que os parlamentares sejam livres para alterar 100% do projeto de Orçamento (que é elaborado pelo Executivo, obedecidos montes de vinculações).

Goste-se ou não da ideia, na prática vai ser preciso comprar aquelas brigas listadas no início deste texto. Por quê?

Como já se escreveu aqui tantas vezes, 69,8% da despesa federal vai para Previdência (INSS) e salários de servidores. Outros 10,2% das despesas estritamente obrigatórias são picados em vários itens, de corte difícil, inviável ou impossível.

Na soma desses 10,2%, há o 1% do Fundeb, dinheiro enviado a estados e municípios para completar a verba da educação das crianças.

Há os 2,7% do seguro-desemprego. Outro 1% é gasto com sentenças judiciais. Mais 1% vai para as despesas de manutenção e investimento de Legislativo, Judiciário e Ministério Público.

Há 1,3% do abono salarial do PIS/Pasep, que o governo já pretende reduzir a quase nada por meio de uma emenda da reforma da Previdência.

Mais 1% vai para subsídios, muitos tão alegremente concedidos por deputados e senadores.

Tem 1% que é compensação pela redução da contribuição patronal para o INSS.

É fácil perceber onde está o filé a ser cortado. Para começar, reajustes de salários e Previdência.

Suponha-se que, por um ano, não se dê reajuste a salários de servidores e benefícios previdenciários.

Nenhum reajuste, nem para corrigir a inflação (o que atualmente é inconstitucional, no caso da Previdência. A reforma Bolsonaro-Guedesacaba com essa obrigatoriedade constitucional).

A economia seria bastante para pagar toda a despesa do seguro-desemprego ou bem mais que um ano de Bolsa Família.

Uma alternativa é cortar em saúde e educação, que desde Michel Temer não levam mais parcela porcentual fixa da despesa federal (os gastos têm um piso fixo, reajustado anualmente pela taxa de inflação).

O Congresso mal está disposto a mexer na Previdência. Vai mexer em mais e maiores vespeiros?

O ministro foi além. Disse que quer “mais Brasil, menos Brasília”: repassar mais recursos a governadores e prefeitos. Se não repassar responsabilidades, o governo federal vai ficar ainda mais quebrado.

O que Guedes pretende? Transferir a estados e municípios quase todas as atribuições do governo federal em saúde, por exemplo? Estadualizar escolas e universidades federais?

Parte dessa descentralização pode fazer sentido, em particular em saúde, se o governo mantiver poder de regular políticas necessariamente nacionais e reorganizar o SUS. Cadê o projeto?

Em resumo, “desvinculação, desindexação, desobrigação e descentralização” apenas vão ter efeitos práticos se o Congresso tiver disposição de entrar em conflitos políticos e sociais duros e se o governo federal descentralizar quase todas as suas atribuições sociais.

Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

Folha de S.Paulo