REFLEXÕES TRABALHISTAS

Por 

No dia 5 de abril, publicamos artigo nesta coluna sob o título “Ainda se pode exigir condição formal para reconhecimento da personalidade sindical?”, cujo objetivo foi advertir para as transformações do modelo da organização sindical, comentando, de forma reflexiva, publicação do Informativo TST nº 192. O informativo noticiou decisão da SBDI-II da corte sobre o tema polêmico que enfrenta o direito à liberdade de associação profissional ou sindical e condições de registro para a aquisição da personalidade sindical. A importância diz respeito à segurança jurídica de possíveis negociações coletivas com trabalhadores reunidos em sindicatos que não se submetem a registro no Ministério do Trabalho.

Depois disso, mais recentemente, no dia 26 de abril, o site do TST publicou notícia no sentido inverso com o seguinte destaque: “Falta de registro de sindicato não afasta direito à estabilidade de dirigente”, em decisão unânime da 8ª Turma da corte, em acórdão da lavra da ministra Dora Maria da Costa. Diz a ementa:

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. ESTABILIDADE SINDICAL. AUSÊNCIA DE REGISTRO NO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. A jurisprudência desta Corte Superior e do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a estabilidade do empregado eleito dirigente sindical não é vinculada à concessão do registro sindical no Ministério do Trabalho e Emprego. Recurso de revista conhecido e provido (Processo RR-977-23.2017.5.12.0006).

A decisão outrora comentada diz o seguinte:

Mandado de segurança. Ausência de comprovação do pedido de registro da entidade sindical perante o Ministério do Trabalho. Reconhecimento da garantia provisória de emprego. Impossibilidade. A ausência de comprovação do pedido de registro de entidade sindical perante o Ministério do Trabalho impede o reconhecimento da garantia provisória de emprego assegurada aos dirigentes sindicais, não sendo suficiente o depósito dos atos constitutivos do sindicato no cartório apropriado. Embora a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admita a concessão da estabilidade sindical durante o trâmite do processo de registro, no caso não houve sequer prova da formalização da postulação de aquisição da personalidade jurídica sindical junto à autoridade competente, circunstância que impede o reconhecimento do direito à reintegração. Sob esse entendimento, a SBDI-II, por unanimidade, conheceu do recurso ordinário e, no mérito, por maioria, negou-lhes provimento para manter a decisão que concedeu a segurança para cassar a tutela antecipatória que determinara a reintegração dos dirigentes sindicais dispensados sem prévio inquérito judicial. Vencidos os Ministros Maria Helena Mallmann, relatora, Delaíde Miranda Arantes e Lelio Bentes Corrêa. TST-RO-293-31.2016.5.20.0000, SBDI-II, rel. Min. Maria Helena Mallmann, red. p/ acórdão Min. Douglas Alencar Rodrigues, 19.3.2019.

O confronto de duas decisões paradoxais é o desafio a que nos leva à jurisprudência trabalhista: mesmo tribunal superior, uma decisão turmária e outra da Subseção II da Seção Especializada em Dissídios Individuais. Mais do que uma tendência à uniformização jurisprudencial, constata-se, pela 8ª Turma, o reconhecimento de adequação histórica da evolução dos entendimentos do TST e, ainda, a percepção da transformação do modelo sindical.

Em suas razões de decidir, referindo-se à aquisição da personalidade jurídica do sindicato e, portanto, da sua personalidade sindical, afirma o acórdão que:

“Assim, a aquisição da personalidade jurídica pela entidade sindical dá-se antes do seu registro no Ministério do Trabalho e Emprego, ou seja, a proteção ao dirigente sindical já se impõe no processo de criação da entidade respectiva. Nessa senda, não há falar em submissão do início da garantia devida ao dirigente sindical a qualquer providência formal subsequente à deliberação da categoria de organizar-se em sindicato, muito menos ao registro no mencionado Ministério”. (grifo nosso)

E não foram poucas as decisões de turmas anexadas ao acórdão em comento e que homenageiam a liberdade sindical com extensão de garantia de estabilidade a dirigentes, ainda que os sindicatos não tenham “registro” perante o Ministério do Trabalho.

A advertência que fica é que, diante do fato de que os trabalhadores formarão sindicatos e elegerão seus dirigentes no exercício da liberdade sindical consagrada na Convenção 87 da OIT e proclamada no artigo 8º, caput da Constituição Federal, o reconhecimento de estabilidade independe que qualquer aspecto legal, portanto, a entidade sindical seria legítima para participar de negociações coletivas e celebrar acordos coletivos de trabalho.

Não se trata mais de reconhecimento para habilitação na cobrança de contribuição sindical, mas de adequação de grupos na defesa de interesses comuns. Essa dinâmica de exercício de liberdade e autonomia na forma de expressão coletiva deve ser observada não pelo seu aspecto formal de representação, mas pela legitimidade de sua atuação, capaz de justificar a segurança jurídica nas negociações coletivas.

As empresas devem estar preparadas para esse novo momento.

 é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas.

Revista Consultor Jurídico