Em apenas três anos: 13 milhões de desempregados, 38 milhões de informais, 10 milhões de subutilizados ganhando abaixo do mínimo, 6 milhões de desalentados e aposentadorias ameaçadas de extinção

O Brasil que começou a ser gestado em 2003, conseguiu de maneira inédita conciliar crescimento com redução de desigualdades, criação de empregos com preservação da estabilidade e fortalecimento do mercado interno – tudo em plena expansão da democracia. O país caminhava em direção ao conceito de trabalho decente estabelecido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Até sofrer um golpe. A análise é do economista Marcelo Mazano, professor do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp.

Olhando para o Brasil de hoje, é difícil acreditar. Para um povo que costuma ser associado à memória curta, então, deve ter quem nem se lembre. Mas em 2014 o Brasil alcançou o pleno emprego pela primeira vez em toda sua história – situação em que o índice de desemprego fica igual ou inferior a 5%. Dos 12,6% de desempregados em 2003, em dez anos a taxa caiu para 4,8%.

Isso foi possível praticando-se exatamente o oposto do que vem sendo feito pelo governo de Jair Bolsonaro. A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou em 2003 uma era de políticas públicas de distribuição de renda – como a de valorização do salário mínimo, o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida – que aqueceram o mercado interno e contribuíram para a criação de postos de trabalho em todo o território nacional. Os empregos formais passaram de 28,7 milhões em 2003 para 49,6 milhões até 2014. Um saldo positivo de 21 milhões de empregos com carteira assinada e direitos assegurados.

Durante mais de uma década, até 2014, mais de 90% dos acordo coletivos negociados entre sindicatos e empresas resultaram em aumentos acima da inflação. Já em 2018, o ganhou real foi detectado em apenas 68% dos acordos, segundo o Dieese. Marcelo Manzano observa que a elevação da renda das famílias permitiu aos jovens estudar, em vez de recorrer precocemente ao mercado de trabalho.

A formalização dos empregos – a exemplo da lei que ampliou direitos aos empregados domésticos ou das políticas de incentivo para pequenos empresários como o Microempreendedor Individual (MEI) e o Simples Nacional – contribuiu para o aumento das oportunidades. E também da arrecadação de recursos para os cofres públicos.

A previdência pública ganhou e a Seguridade Social alcançou milhões de brasileiros. Um círculo virtuoso por meio do qual o principal mecanismo de proteção social acaba por ser instrumento do desenvolvimento.

Os níveis de investimento subiram, assim como sua participação no PIB que saiu de 17,4% em 2002 para 20,5% em 2014. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo Dilma Rousseff, garantiu ao país a manutenção do crescimento econômico abalado a partir de 2013.

A crise internacional e os boicotes vividos no início do segundo governo Dilma levaram a uma guinada na economia nacional. A crise interna, alimentada pelo Congresso e por setores do poder econômico, foi o combustível para o golpe de 2016. Após o impeachment, que em 31 de agosto daquele ano destitui em definitivo a presidenta da República – afastada do posto desde 12 de maio –, o ex-vice Michel Temer coloca em prática um programa de governo rejeitado pela população nas quatro eleições anteriores. De lá para cá, o povo só perde: empregos, salário, direitos, esperanças.

Um trágico exemplo desse modo de governar é o salário mínimo. Enquanto nos governos petistas a valorização real foi de 74% (acima da inflação), com Temer houve redução real: o reajuste de 1,81% em 2018 foi menor que a inflação de 2,07% (INPC).

O projeto de Orçamento de União anunciado pelo ministro da Economia de Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, prevê que em 2020 o salário mínimo será reajustado apenas pelo INPC (4,2%). Assim, o valor ficará em R$ 1.040, contra os R$ 1.051 antes previstos pela política de valorização. O prejuízo vai muito além de R$ 11.

São R$ 146 ao ano (levando em conta 13º salário e férias), que representarão R$ 7 bilhões em 2020 retirados de milhares de municípios brasileiros. Muitos deles têm suas economias sustentadas pelo que é pago às 48 milhões de pessoas cujos ganhos têm como referência o salário mínimo, inclusive quem recebe benefícios previdenciários.

Uma coisa leva a outra

As mudanças colocadas em prática a partir da posse de Michel Temer, e acentuadas por Bolsonaro, não são uma “gestão de crise”, mas políticas deliberadamente formuladas para deprimir o mercado de trabalho e fragilizar os trabalhadores, enquanto cidadãos, e seus sindicatos. Entre as primeiras medidas anunciadas e depois votadas a toque de caixa, a reforma trabalhista é uma dessas claras escolhas. Assim como a da Previdência, cuja tramitação agora segue em modo acelerado.

A retirada de direitos a pretexto de facilitar a criação de empregos revelou-se um engodo. A taxa de desemprego saltou de 4,3% em 2014 para 11,2% em maio de 2016, ultrapassou a casa dos 13% e ainda segue em 12,6% em julho deste ano: são 12,8 milhões de desempregados. E os empregados informais que eram 10 milhões há três anos hoje são 38 milhões. Um terço deles trabalham por menos do que o necessário para viver. Outros 6 milhões de pessoas desistiram, por desalento, de procurar trabalho.

Não satisfeito com o desmonte da legislação trabalhista, o governo de Jair Bolsonaro apresenta novas leis para tornar o mercado de trabalho ainda mais precário, e fragilizar a capacidade dos trabalhadores de se organizar em sindicato para se defender.

O número de pessoas na extrema pobreza aumentou em 1,5 milhão entre 2016 e 2017. Enquanto isso, os 10% mais ricos ganharam 36,1 vezes mais do que metade dos mais pobres e 1,2 milhão de domicílios brasileiros tiveram de voltar a usar fogão a lenha, diante do preço do gás de cozinha que subiu 17% (mesmo índice da queda de preço nos governos petistas). O aumento da pobreza é visto a olho nu nas ruas das grandes cidades, onde a presença crescente de pessoas em situação de rua se expande das regiões centrais para as periferias.

Previdência é tudo

Menos emprego, menos postos de trabalho formais, mais riscos para a Seguridade Social e para a Previdência pública, sempre na mira do mercado. Afinal, além de transferir renda por meio das aposentadorias rural e urbana, a Seguridade é responsável pelos serviços prestados via Sistema Único de Saúde (SUS), pelo Sistema Único de Assistência Social (Suas) e pelo Sistema Único de Segurança Alimentar e Nutricional (Susan).

Cerca de 150 milhões de brasileiros têm no SUS a única alternativa de atendimento em saúde. O mercado dos planos de “saúde” observa esse filão com o mesmo apetite que o setor financeiro cobiça o de planos privados de aposentadoria.

O Benefício de Prestação Continuada (BPC), que beneficia mais de 4,5 milhões de idosos carentes e pessoas com deficiência com baixa renda também integra a lista de direitos sociais previstos na Constituição que o governo pretende cortar pela metade para “economizar”.

A Seguridade Social, que a “Nova Previdência” de Bolsonaro ignora e pretende destruir se aprovada, protege 82% dos idosos brasileiros. Assim, o dinheiro que chega a milhares de pequenos municípios ajuda a combater a pobreza e a desigualdade da renda, fomentar a agricultura familiar e as economias locais e combater o êxodo rural e regional.

A “Nova Previdência” pode levar o Brasil a uma situação de barbárie. A crise de receita será alimentada pela falta de empregos e pela informalidade. A não contribuição se ampliará e, além de deixar milhões de brasileiros desprotegidos, poderá levar à falência do sistema. Quem hoje já está aposentado tem o futuro de seu benefício também ameaçado. Os bancos e seus fundos privados de previdência agradecem o governo que ajudaram a eleger. Não por acaso, a capitalização – uma poupança que cada trabalhador faria para garantir sua aposentadoria – segue nos planos dos “reformistas”.

Fonte: CUT