Se não bastasse a tragédia dos principais indicadores da economia, com destaque para o desemprego, agora surge a notícia de que o governo Bolsonaro estuda retirar da Constituição a previsão de que o salário mínimo seja corrigido pela inflação. O congelamento poderia render uma “economia” entre R$ 35 bilhões e R$ 37 bilhões, segundo a informação; o termo correto seria “transferência” de renda, nesse valor, dos mais pobres para os mais ricos, por meio de uma burla.

A garantia de correção está inserida no espírito de que os trabalhadores têm direito a um salário mínimo “capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”, conforme determina o artigo 7º, inciso IV, da Constituição. A proposta bolsonarista atenta frontalmente contra esses direitos humanos fundamentais.

A tentativa de violação desse que pode ser considerado um dos mais importantes princípios do pacto democrático de 1988, que sintetizou a evolução civilizatória brasileira depois de batalhas seculares pelo progresso social, revela bem o caráter perverso desse governo. O anúncio é grave e decorre da “ortodoxia” comandada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Vai ficando cada vez mais evidente que o nó do “ajuste fiscal” — o mecanismo de transferência de recursos orçamentários para o saco sem fundo do mercado de títulos, a roda-viva financeira da chamada dívida pública — se transformou numa queda-de-braço que tende a evoluir para lances cada vez mais dramáticos. No centro da questão está a forma de lidar com a renda nacional — a síntese de toda atividade econômica.

Nesse governo, os números são manipulados a todo instante com a finalidade de desqualificar a importância do Estado no processo de aceleração dos ritmos do desenvolvimento econômico. As verdades “universais” da teoria de Paulo Guedes, essencialmente construídas para proporcionar equilíbrio nos centros de origem das crises, são desligadas da vida real dos países pobres.

Elas não servem para definir a alma dos problemas nacionais: desenvolvimento econômico, melhoria dos níveis de renda, investimentos e consumo. A hegemonia que essas teses angariaram no Brasil com o governo Bolsonaro decorre do fato de que toda a ciência econômica tem, falando no sentido social, profunda base partidária. Ou seja: as interpretações econômicas correspondem a um jogo de disputa ou defesa de posições.

Os salários e os lucros, por exemplo, devem ser vistos como duas formas antagônicas de renda. E um jeito de manipular esse conceito é tratar do assunto em termos de renda per capita — uma fórmula frequentemente utilizada para apregoar melhorias dos padrões de vida no Brasil. Essa técnica corresponde à mera figura estatística, e nem de longe reflete um fenômeno de riqueza social porque não leva em conta o caráter antagônico dos salários e dos lucros.

Mas o mais grave, nesse caso, é que a economia passa por um processo de estupidez, sancionado pela política do governo, uma alquimia que transforma um arrocho desumano na renda do povo em “economia”; na verdade, mais uma mamata para a ciranda financeira. Aí o antagonismo se agudiza, porque ele explicita um projeto de poder e um programa de governo com o objetivo de destruir a institucionalidade democrática do país para atender a um elevado parasitismo social.
Vermelho