Municípios afetados pela crise da indústria estão entre os que mais ganharam beneficiários do programa

Na semana em que o fim do inverno bateu 35 graus em São Paulo, Wallisson de Brito Machado, de 34 anos, saiu cedo de São Mateus, na Zona Leste da capital paulista, para encarar o sol e a fila de um feirão de vagas organizado pela UGT  e o Sindicato dos Comerciários no Vale do Anhangabaú, no Centro. Desempregado, sua única renda são os R$ 188 que recebe do Bolsa Famíli a. Ele decidiu se cadastrar no programa há pouco mais de um ano, depois de várias tentativas frustradas de achar uma nova posição como auxiliar de gráfica, função que já exerceu com carteira assinada.

— Sempre fui independente e trabalhei. Mas está difícil conseguir uma chance. Com filha recém-nascida, esposa com depressão e meus parentes sem poder ajudar mais, tive de pedir socorro ao governo — diz Walisson, que usa parte do benefício para pagar passagem de ônibus e continuar participando de seleções.

Para o evento no Anhangabaú, ainda gastou R$ 10 em uma lan house para imprimir 30 currículos, quase 5% do benefício.

Wallisson representa um novo perfil de beneficiário do Bolsa Família. Com a lenta recuperação da economia, o programa se tornou uma espécie de seguro-desemprego . Nos últimos seis anos, cidades ricas que perderam vagas — como São Paulo — estão entre as que mais ganharam beneficiários. O seguro-desemprego só é pago por cinco meses.

Levantamento feito pelo GLOBO nos dados do Ministério da Cidadania mostra que, entre os 15 municípios com mais de 100 mil habitantes onde houve maior crescimento do Bolsa Família entre 2013 e 2019, 11 têm PIB per capita acima da média nacional. A maioria também tem em comum uma economia direta ou indiretamente ligada à indústria, setor que mais destruiu empregos na crise: quase um milhão de vagas perdidas de 2015 a 2017. E, mesmo depois que a economia voltou a crescer, só recuperou 75 mil.

Desemprego prolongado

Dez dessas 15 cidades ficam no estado de São Paulo (a capital e outras nove em seu entorno), duas no Rio de Janeiro (Macaé e Rio das Ostras) e outras três no Pará (Abaetetuba), Santa Catarina (Balneário Camboriú) e Rio Grande do Sul (Gravataí). Juntos, esses municípios tiveram aumento superior a 50% no número de beneficiários entre 2013, ano anterior ao início da crise, e 2019. Em Carapicuíba, na Grande São Paulo, a alta chegou a 91%. Na capital paulista, foi de 59%. Enquanto isso, no conjunto total de municípios, o cadastro ficou praticamente estável, em 13,8 milhões.

Para analistas, a razão desse crescimento em centros urbanos desenvolvidos é o desemprego de longa duração. Hoje, uma em cada quatro pessoas em busca de vaga procura trabalho há pelo menos dois anos. O grupo nunca foi tão grande: 3,35 milhões.

— O seguro-desemprego só dura cinco meses. As pessoas estão levando muito mais tempo para conseguir trabalho — observa o cientista social do Ipea Luis Henrique da Silva Paiva, que foi Secretário Nacional para o Bolsa Família entre 2012 e 2015. — O Bolsa Família vive uma situação inédita. Passa a atender, além do pobre estrutural, o pobre eventual.

A demanda não para de crescer. A operadora de caixa Geni Diniz, de 40 anos, acabou de ser demitida de um supermercado. Moradora de Interlagos, na Zona Sul de São Paulo, há anos não fica mais de três meses num emprego. O companheiro, mecânico, também está desempregado. Por isso, acabaram de dar entrada no Bolsa Família, em busca de uma renda mínima.

— Preciso sustentar meus três filhos — diz Geni, que também foi ao mutirão de vagas no Centro de São Paulo. — Fui a outro no início do ano, arrumei vaga em um supermercado, mas, seis meses depois, já estou aqui de novo.

O alvo do Bolsa Família são domicílios em situação de pobreza (com renda mensal entre R$ 89,01 e R$ 178 por pessoa) e que tenham filhos de até 17 anos ou na extrema pobreza. O benefício mais baixo é de R$ 41, e o mais alto, de R$ 89 por integrante da família. Em média, os contemplados recebem R$ 190 por mês.

Fonte: O Globo