Guilherme Magalhães Martins, João Victor Rozatti Longhi e José Luiz de Moura Faleiros Júnior

Se, por um lado, há muitas incertezas quanto à delicadeza do momento político no qual são discutidas essas temáticas no Brasil, por outro, fica clara a premência dos debates em torno da preservação dessas liberdades.  

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A utilização de aplicativos de telemensagens para dispositivos móveis, como "WhatsApp", "Telegram" e "Messenger", no cotidiano do brasileiro já é uma realidade há alguns anos. O primeiro – e mais conhecido – é uma aplicação multiplataforma que foi desenvolvida em 2009 por Brian Acton e Jan Koum, fundadores da WhatsApp Inc., baseada em Mountain View, Califórnia, nos Estados Unidos da América. Com seu crescimento exponencial, que já ultrapassou a marca de dois bilhões de usuários1, a empresa acabou sendo adquirida pela Facebook Inc., outra gigante do setor, em 19 de fevereiro de 2014, por cerca de US$ 19 bilhões, a maior operação do tipo até a época2.

O nome da aplicação é fruto de um trocadilho com a gíria inglesa "what’s up?", utilizada coloquialmente para se indagar ao interlocutor se tudo vai bem, se há alguma novidade a contar ou se algo está acontecendo. É um nome sugestivo para um software utilizado para várias finalidades (inclusive comerciais) e já estudado a partir de diversas abordagens no mundo inteiro, sendo recorrentemente reconhecido como uma ferramenta eficaz para seu propósito de existência.3 Popularmente denominado zap, faz parte do cotidiano de boa parte da população brasileira, seja no seu relacionamento profissional ou pessoal, espelhando o objetivo do uso da Internet, consagrado no artigo 4º., I da lei 12.965/14, do direito acesso da Internet a todos, que integra o mínimo existencial, qualificando-se como um direito fundamental.

No Supremo Tribunal Federal, porém, a ADI 5527 e a ADPF 403 estão prestes a serem julgadas para o enfrentamento da polêmica questão relativa à possibilidade de suspensão de suas atividades em razão do não acatamento de ordens judiciais.

A primeira sessão de julgamento, agendada para 19 de maio de 2020, foi adiada para 27 de maio e, nesta segunda ocasião, após serem proferidos os votos de dois ministros da Corte – Edson Fachin e Rosa Weber –, que se posicionaram contrariamente à possibilidade de bloqueio do WhatsApp, um pedido de vista do min. Alexandre de Moraes provocou novo adiamento, sem previsão de data para a continuidade da sessão.4

Diante disso, algumas reflexões sobre o papel dessa ferramenta são relevantes para a aferição de seus impactos jurídicos e, com base nessa premissa, serão feitos alguns breves comentários a seguir.

Desde logo, lembremo-nos de que, "durante a maior parte da história humana, as interações foram face a face"5, mas a evolução tecnológica propiciou novos rumos para as relações interpessoais, permitindo aos indivíduos interagir, mesmo que não estejam no mesmo ambiente6. Assim, o advento de ferramentas que aumentem a capacidade e a velocidade dos usuários de realizarem suas interações contribuiu para a alavancagem das comunicações e valorização de organizações que exploram tais serviços na Internet.

O jurista espanhol Pedro Alberto de Miguel Asensio observa que a Internet "constitui um emaranhado mundial de redes conectadas entre si de modo a tornar possível a comunicação quase instantânea de qualquer usuário de uma dessas redes a outros situados em outras redes do conjunto, tratando-se de um meio de comunicação global"7. A ideia de um emaranhado de redes interconectadas dá espaço à consolidação da mencionada "vida paralela" no ciberespaço, em que os fluxos são velozes e inter-relacionados, como descreve Lucia Santaella.8

O WhatsApp foi lançado exatamente com esse propósito: simplificar as comunicações, propiciando-as de forma quase gratuita, uma vez que era cobrada de seus usuários uma anuidade de um dólar, que acabou sendo extinta em 18 de janeiro de 2016, tamanha a popularidade que o app adquiriu9. Com isso, a pulverização de seu uso em todos os tipos de plataformas aumentou ao longo dos anos, culminando no lançamento de uma versão para computadores denominada "WhatsApp Web", que alavancou ainda mais sua utilização. E, como se não bastasse, cada vez mais se investiu em criptografia para garantir a higidez da plataforma e o sigilo das comunicações trocadas pelos usuários da aplicação10.

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*Guilherme Magalhães Martins é promotor de Justiça titular da 5ª Promotoria de Tutela Coletiva do Consumidor da Capital – RJ. Professor adjunto de Direito Civil da Faculdade Nacional de Direito – UFRJ. Doutor e mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da UERJ. Professor permanente do Doutorado em Direito, Instituições e Negócios da UFF.

*João Victor Rozatti Longhi é defensor público no Estado do Paraná. Professor visitante do PPGD da UENP e de Graduação do CESUFOZ. Pós-doutor em Direito na UENP. Doutor em Direito Público pela Faculdade de Direito da USP – Largo de São Francisco. Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da UERJ.

*José Luiz de Moura Faleiros Júnior é mestre e bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da UFU. Especialista em Direito Processual Civil, Direito Civil e Empresarial, Direito Digital e Compliance. Advogado.

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