OPINIÃO

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A 4ª Turma do TST, em processo sob a relatoria do ministro Alexandre Ramos (AIRR 10575-88.2019.5.03.0003 - julgado em 9/9/2020), à unanimidade, decidiu sobre o reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista profissional que desenvolve suas atividades com utilização do aplicativo de tecnologia Uber e a sua criadora, Uber do Brasil Tecnologia Ltda. Chamou-nos a atenção não só a relevância do tema, nos dias atuais, mas os aspectos abordados.

Trata-se de um processo submetido ao rito sumaríssimo pelo que a admissibilidade do recurso de revista se limitava à contrariedade à súmula do TST ou à súmula vinculante do STF e por violação direta da Constituição Federal.

A transcendência da causa do RR se deu por ser questão jurídica nova, assentando-se na interpretação da legislação trabalhista (artigos 2º e 3º da CLT), sobre a qual não há jurisprudência consolidada no TST e muito menos decisão de efeito vinculante no STF.

O Tribunal da 3ª Região manteve a sentença em que se reconheceu a condição de trabalhador autônomo do reclamante que ostentava ampla autonomia na prestação de serviços, sendo dele os ônus da atividade econômica, e ausente a subordinação, por não estar sujeito ao poder diretivo, fiscalizador e punitivo da reclamada. O juízo de admissibilidade invocou a Súmula 126 do TST para negar seguimento ao RR.

A análise do agravo de instrumento deu-se apenas com enfoque na alegada violação do artigo 1º, em seus incisos III e IV, da Constituição Federal. Temos, portanto, que a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa são os conceitos e valores que foram considerados ao ser desprovido o recurso.

Registrado pela instância ordinária que o trabalho do motorista profissional ocorreu sem preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, porquanto "o trabalho foi pela plataforma tecnológica, não para ela". O trabalho humano tem a proteção consagrada constitucionalmente (artigo 1º, III), o que não significa que essa proteção é a explicitada no artigo 7º do mesmo texto. Por ser uma nova forma de trabalho, que se afasta da relação clássica de trabalho subordinado consagrada no texto consolidado, desafia lei própria.

A turma julgadora proclamou que o enquadramento jurídico da questão deve se dar no ordenamento jurídico pela normatização com maior afinidade, como é o caso da prevista na Lei nº 11. 442/2007, do transportador autônomo, declarada constitucional pelo STF (ADC 48, Rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 18/5/2020). Na ementa desse acórdão assenta-se que "a proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego".

 Assentadas essas premissas, não se pode cogitar de ofensa ao disposto no artigo 1º, IV, da Constituição, que consagra como fundamento da República "os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa".

O desafio posto é dirigido ao legislador, pois a forma de efetividade assim como as condições específicas em que é realizado, sobretudo quanto à saúde e segurança, hão de ser normatizadas. A dignidade da pessoa há sempre de ser garantida, não sendo os valores sociais da livre iniciativa um valor antinômico, ambos fundamentos que devem dialogar para a construção de uma sociedade justa e solidária.

Em uma sociedade, importa que prevaleça sempre a harmonia e o respeito, ainda que haja divergências nas convicções. No exercício da jurisdição, é indispensável que se resguarde o princípio da proteção da confiança. A segurança jurídica é um valor maior nesse sentido. No âmbito trabalhista, ao TST cabe a solidificação da jurisprudência, cuja importância é ressaltada pelo disposto no artigo 927 do CPC. Aliás, "os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente", como proclamado pelo artigo 926 do CPC.

Com uma jurisprudência uniforme, a vida em sociedade passa a ter uma normatização certa, pelo que emerge uma vida social menos conflituosa, com uma consequente redução do número de demandas judiciais. O acúmulo impressionante de processos, inclusive na Justiça do Trabalho, é um desafio para a Justiça. Com propriedade o ministro Herman Benjamim, à época diretor da Enfam, em entrevista concedida ao Anuário da Justiça, afirmou que a "cultura de precedente não é uma imposição autoritária, mas norte seguro para o juiz". Efetivamente é uma aproximação do sistema common law, com a valorização das decisões judiciais, como precedentes, gerando a previsibilidade nos julgamentos.

Temos, pois, que os caminhos se abrem para a construção da jurisprudência a prevalecer no TST e de busca para uma legislação específica a regular o trabalho desenvolvido pela plataforma tecnológica.

Desafios, entre outros, de tempos novos.

 é ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho e advogado.

Revista Consultor Jurídico