COMEÇAR DE NOVO...

Dizendo-se ainda chocado com as revelações sobre as práticas da autodenominada "força-tarefa da lava jato", trazidas ao mundo no curso da apelidada operação "spoofing", o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, defende que o Poder Judiciário brasileiro passe por uma espécie de refundação. Segundo ele, uma ampla reformulação é necessária para que não volte a ocorrer uma relação tão promíscua quanto a estabelecida entre os procuradores do "consórcio de Curitiba" e o ex-juiz Sergio Moro.

O ministro se diz chocado com as
revelações sobre as práticas da 'lava jato'
Rosinei Coutinho/SCO/STF

Em uma entrevista concedida ao portal de internet UOL, Gilmar afirmou que os diálogos entre os procuradores e entre estes e Moro, tornados públicos quando o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, autorizou que a defesa do ex-presidente Lula tivesse acesso integral às mensagens, mostram que "a Justiça Penal brasileira está em escombros e isso exige reparos imediatos".

Gilmar, porém, acredita que o escândalo protagonizado por Moro, Deltan Dallagnol e sua turma pode ser o estopim para impulsionar uma necessária transformação no Judiciário do Brasil. "Os fatos estão nos dando uma segunda chance, e isso é muito raro."

"Todos nós estamos chamados à responsabilidade. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) tem de chamar seus juízes e olhar tudo isso. Tudo ocorreu sob os olhos do TRF-4, do STJ, e eventualmente nós chancelamos isso no Supremo", disse Gilmar. "Temos de olhar tudo isso com muita seriedade. Estou interessado em ver como tudo vai acabar porque é preciso que haja reformulações para que fatos assim não se repitam".

Recentemente, o procurador-Geral da República, Augusto Aras, anunciou que a "lava jato" no Paraná passou a integrar o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público Federal. Gilmar Mendes viu essa decisão como um primeiro passo para que o trabalho dos procuradores seja submetido a algum tipo de controle, o que ele considera fundamental.

"O Aras antecipou o fim dessas forças-tarefas, talvez porque notou que elas não tinham forma, nem juízo, não tinham supervisão da Corregedoria, não estavam submetidas à PGR, não tinham subprocurador para supervisionar as ações e faziam contato diretamente com o juiz. Qualquer observador atento percebe que Sergio Moro era o verdadeiro chefe da operação. Então é preciso haver a reestruturação, coisa que o Aras já está fazendo".

Para Gilmar, o Congresso Nacional também precisa entrar no jogo para ajudar a disciplinar o trabalho dos procuradores, por meio de leis que coloquem limites claros à atuação dos membros do Ministério Público.

"O Congresso precisa se debruçar sobre as Leis Orgânicas dos Ministérios Públicos para que haja algum tipo de controle político sobre a instituição. Do jeito que estava, era uma ameaça à democracia. Havia um partido da lava jato, eles prendiam candidato e definiam uma eleição, tudo isso combinado. Era algo que faria vergonha à Stasi (polícia secreta da antiga Alemanha Oriental)", comentou o ministro, lembrando que a Receita Federal também teve uma participação nada republicana na autodenominada força-tarefa.

"Tínhamos a Receita operando de maneira subsidiária e clandestina, sem receber provocações oficiais. Montamos um estado policial, e isso precisa ser olhado. O que fizemos para permitir que chegasse a esse ponto?", questionou Gilmar.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2021-fev-14/escandalo-lava-jato-mostra-necessidade-refundar-judiciario