Mesmo diante de avanços, ainda há vestígios de uma sociedade machista que precisam ser confrontados. Nessa luta, o Direito assume papel de vital importância para alcance da equidade entre os gêneros.

Direito ao voto, representatividade, combate ao assédio e às violências (sexual, doméstica e obstétrica), garantia da liberdade sexual e dos direitos reprodutivos, acesso à educação, respeito à diversidade de gênero, raça e etnia são algumas das lutas historicamente travadas por mulheres para serem reconhecidas socialmente enquanto sujeitos de direitos¹.

Apesar dos diversos progressos, especialmente a consagração no texto constitucional da igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres (art. 5.º, I, da Constituição Federa²), nossa sociedade ainda carrega diversos resquícios de uma estrutura patriarcal que centraliza o poder na figura do homem e subjuga mulheres, retirando-lhes direitos ou, quando não, reduzindo-os.

Nesta esteira de discussão que recente Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho merece destaque.

Após promover investigação em Inquérito Civil Público instaurado a partir de denúncia anônima, a procuradora Carolina Marzola Hirata levou à apreciação do Poder Judiciário denúncia de medida discriminatória adotada por empresa farmacêutica. A discriminação residiria no fato de que, na concessão do plano de assistência médica a seus trabalhadores, a empresa somente permitia que trabalhadores homens incluíssem seus cônjuges como dependentes, mas não havia possibilidade de empregadas mulheres fazerem o mesmo, salvo em uniões homoafetivas.

A empresa se defendeu argumentando inexistir norma coletiva que obrigue a concessão do benefício e que a diferenciação adotada decorre de questão administrativa, corporativa, contratual e financeira, sem intuito discriminatório.

Entretanto, diante das provas apresentadas, o Juízo da 1.ª Vara do Trabalho de Campinas entendeu que "apesar de não haver obrigação para concessão de plano de saúde, a ordem jurídica não admite sexismo" e que a empresa "naturalizou e internalizou o sexismo típico de uma sociedade patriarcal marcada pelo machismo, onde predomina o pensamento de que as mulheres são inferiores e mais frágeis que os homens e que não podem ter os seus mesmos direitos e garantias".

A decisão ainda é categórica ao concluir que a "liberalidade não autoriza qualquer medida discriminatória. Ou seja, não é porque não há imposição legal que o empregador pode, ao criar um benefício, discriminar seus empregados por motivos de gênero."

O caso nos faz um alerta: as empresas precisam adotar e promover medidas que erradiquem por completo todos os traços de discriminação de gênero que ainda persistam em seus ambientes. Relatório sobre igualdade elaborado pelo Fórum Econômico Mundial3 estima que ainda serão necessários aproximados 250 (duzentos e cinquenta) anos para que haja uma real igualdade de gênero no mercado de trabalho.

Susana Ayarza4 contextualiza: apesar das mulheres serem maioria da população do Brasil, de viverem mais tempo, terem mais educação formal e ocuparem 44% das vagas de empregos registradas no país, o número de desempregadas é 29% maior do que o de homens e, quando falamos em participação em posições de liderança, estas somente ocupam 2,8% dos cargos mais altos.

Por isso, como destacam Thaíssa e Marcelo Weishaupt Proni5, ainda que a sociedade tenha progredido, que parcela das mulheres desfrutem de maior proteção legal e que tenham conquistado maior autonomia econômica, ainda persistem as desigualdades de gênero no âmbito profissional.

Não diferente o próprio Poder Judiciário espelha essa realidade. Pesquisa conduzida pelo Conselho Nacional de Justiça apontou que apenas 38% (trinta e oito por cento) da magistratura é composta por mulheres, ainda que elas representem mais de 50% (cinquenta por cento) da população brasileira6. Por isso, a Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho tem buscado promover e implementar, em todas as instâncias, políticas relacionadas à igualdade de gênero, que vai ao encontro da Resolução 255/18 do CNJ, que institui a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário.

A pandemia evidenciou o abismo existente na desigualdade de gênero. A retração no trabalho formal em áreas de maior participação do trabalho feminino (setor de serviços e trabalho doméstico) e o aumento expressivo da sobrecarga socialmente imposta pela dupla jornada (tarefas domésticas e cuidados dos filhos concomitantemente com o trabalho remoto) confirmaram a necessidade de desenvolver medidas políticas de corresponsabilização do Estado, Iniciativa Privada e da própria sociedade7.

É necessário repensar a divisão social do trabalho, bem como a perspectiva a partir da qual se analisa as desigualdades entre os gêneros, além dos necessários recortes de classe e raça e do papel ocupado pelo homem nessa dinâmica social - vez que, sendo maioria em cargos de gestão e posições de liderança, são fundamentais para que se obtenha o reconhecimento social das mulheres enquanto sujeitos de direitos.

O caminho é árduo, mas somente será possível alcançar a necessária equidade de gênero por meio de políticas públicas, medidas concretas adotadas pela sociedade civil e por uma mudança paradigmática de mentalidade.

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1. Disponível aqui.

2. Art. 5.º, I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

3. Disponível aqui.

4. Disponível aqui.

5. Disponível aqui.

6. Disponível aqui.

7. Disponível aqui.

Wesley Ulisses Souza

Wesley Ulisses Souza

Sócio do escritório Federmann, Camargos e Pilon Advogados. Pós-graduado em Direito Sindical pela Escola Superior da Advocacia - ESA OAB/SP (2016) e pós-graduando em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC RS (2021).

Fonte: MIgalhas

https://www.migalhas.com.br/depeso/345533/equidade-de-genero-nas-relacoes-de-trabalho