TRABALHO CONTEMPORÂNEO

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Recebi de uma amiga a notícia sobre a vitória de nosso país junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT): saímos da lista curta.  Imediatamente postei em grupos de discussão que participo, integrados por professores, magistrados, membros do Ministério Público do Trabalho, acadêmicos e estudantes, de composição, portanto, plural, esperando uma espécie de comemoração.  Tirando dois ou três comentários, imperou o silêncio...

Achei muito estranho não haver um efusivo regozijo com o fato da OIT não mais pressupor que o Brasil estaria agredindo sua Convenção 98, que trata de negociação coletiva, diante da Reforma Trabalhista, fato que havia levado algumas entidades a denunciarem o país, sob a alegação de que o "negociado sobre o legislado" criado pela Lei 13.467/2017 afetaria o artigo quarto da citada norma internacional.

A questão foi marcante, também, porque parte da própria Magistratura do Trabalho, através da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), chegou a realizar denúncia junto à OIT pelos motivos expostos, produzindo argumentos ao lado de entidades que representam trabalhadores, assumindo publicamente a defesa desta classe.

Em seu site, a Anamatra produziu diversas notícias sobre o fato, nitidamente vendo como uma vitória a circunstância de sua denúncia ter auxiliado o país a ingressar na lista curta da OIT, dando vazão à sua atuação parcial e ideológica contra a legislação nacional.  Algo que simplesmente não consigo entender é como uma entidade de Magistrados, que constitucionalmente devem guardar o valor da imparcialidade, pode agir em seus nomes de forma parcial.  Por estas e por outras, há alguns anos decidi me desfiliar daquela entidade.

O interessante, agora, é notar que a parcialidade continua sendo a regra na matéria que analisamos.  A retirada do Brasil da lista curta, o que significa o reconhecimento para o país de que a OIT não vislumbra, neste momento, que nosso ordenamento jurídico viola suas normas internacionais, não foi objeto de uma única linha ou notícia entre a comunidade jurídica trabalhista.

Tirando as notícias no jornal Valor Econômico e da Confederação Nacional da Indústria, um enorme silêncio eloquente. Dá para sentir o desapontamento, a derrota que de forma geral a comunidade enfrenta, o que me faz refletir, mais uma vez, sobre a "cultura trabalhista" e a dificuldade de se aceitar a verdade.

E a verdade, que tenho a honra de ter exposto desde a criação da reforma trabalhista, é de que esta lei não é inconstitucional ou inconvencional, e que a Magistratura do Trabalho sempre esteve pronta a aplicá-la, como é dever de todo juiz.  Um ou outro ponto de colisão com o texto constitucional pode até existir, mas jamais seria possível negar a validade e a eficácia do novo diploma legislativo como um todo.

 O atual silêncio daqueles que comemoraram quando o Brasil foi denunciado e enquadrado na lista "suja" da OIT revela sua verdadeira intenção, que passa longe de ver nosso país alinhado com modernas práticas regulatórias do trabalho humano. Tudo que se quer é manipular o estado das coisas para atender a interesses próprios.  E nesta guerra vale tudo.  Inclusive ignorar a verdade em prol de uma narrativa que justifique a ideologia defendida.

Primeiro instala-se na mídia a ideia do terror: a reforma, ou melhor, "deforma" trabalhista vai levar novamente ao trabalho escravo.  Denuncia-se um suposto retrocesso, uma destruição do sistema de proteção vigente, dando a entender que tudo estava ótimo até a chegada da nova lei.

Clama-se fervorosamente por justiça social, convocando a todos (e todas) para a resistência jurídica na nova trincheira da luta trabalhista, agora travada por agentes estatais. Dos movimentos sociais na rua, passa-se à militância institucional. Advogados, procuradores e juízes viram protagonistas de uma causa que não lhes pertence.

Advogados, ainda, misturam defesa social dos trabalhadores com os interesses da própria classe, combatendo o suposto ataque para o acesso à Justiça do Trabalho decorrente da criação dos honorários advocatícios sucumbenciais e a mitigação da gratuidade. A reforma, como sabemos, instalou no Processo do Trabalho a responsabilidade da parte pelo exercício do direito de ação, reduzindo em quase 30% o número de ações trabalhistas, o que afeta, obviamente, o número de condenações e, portanto, os honorários contratuais a receber.

Membros do Ministério Público do Trabalho passam a atuar, abertamente, não em defesa do ordenamento jurídico, conforme sua missão constitucional, mas assumindo um lado, com parte dos Magistrados do Trabalho, sempre em prol da classe trabalhadora.  Notas técnicas, eventos, artigos, denúncias na OIT, livros, enfim, tudo foi feito para combater a nefasta Reforma.  Poucas ações geram baixo orçamento para as instituições públicas envolvidas neste embate.

Na sequência, passa-se a destruir carreiras, imagens e reputações, tachando pejorativamente como representantes do capitalismo selvagem, aplicadores "boca da lei", vendidos ao sistema e mais um punhado de baboseiras, sem falar dos clássicos "fascista", "machista", "negacionista" e "direitista" aqueles que entendiam a reforma, no geral, como condizente com a Constituição.

E como fica a verdade neste ataque planejado?  Um mero detalhe a ser superado.  Ou escondido.  E é justamente isso que agora acontece com a retirada do Brasil da lista curta da OIT. Ora, se a preocupação era alinhar o país às regras internacionais, por que não celebrar a boa notícia que chega da Comissão de Aplicação de Normas daquele organismo?  Por que sentir isso como uma derrota?

O problema, como sabemos, é misturar interesses e ideologias com a análise técnica do ordenamento jurídico.  Por mais que ninguém seja neutro, pois todos carregamos nossas subjetividades na forma de vermos o mundo, há limites facilmente constatáveis para não confundirmos nossos desejos com a aplicação de uma ciência como o Direito.  Basta ser honesto com o propósito da imparcialidade.

Vivemos um período de imunização cognitiva misturada com violência digital, sob o manto das ideologias esteticamente corretas que incluem seus defensores num movimento coletivo de amparo e compreensão mútuos, conferindo legitimidade a quem, individualmente, sequer seria capaz de assumir qualquer tipo de posição.  E se for possível a inclusão em algum grupo minoritário, qualquer que seja, mais fácil a adoção de posturas violentas, afinal de contas tudo se resume a algum tipo de reparação ou reação à opressão das maiorias.  Uma bela narrativa, pouco importa se verdadeira.

Neste caminhar da comunidade jurídica trabalhista, que não está isenta desses fenômenos sociais, perdemos tempo precioso para construir algo que realmente possa dar efetividade aos valores que tanto bravejamos.  Foram mais de dois anos de denúncias tendenciosas à OIT, não com o objetivo de fazer o país melhorar, mas apenas ratificar a fabulosa narrativa e buscar meios para voltar ao que era antes, sem nem se saber se isso seria melhor ou pior.

Para um rápido exemplo, o fim da contribuição sindical compulsória, que todos achávamos levaria à redução drástica do número de sindicatos de trabalhadores produziu efeito oposto, pois foram criados cerca de 700 novos sindicatos da reforma trabalhista para cá. De 11.200 chegamos a 11.900 entidades sindicais profissionais, aproximadamente.

A verdade, que para muitos pouco importa, é que precisamos sim criar novos modelos regulatórios para o mercado de trabalho, superando a dicotomia ideológica que esconde a defesa de interesses próprios em detrimento do interesse coletivo real.  Não fosse a militância abusiva, não estaríamos há quase quatro anos revolvendo as mesmas discussões estéreis, dando fôlego a quem luta para manter em pé a defesa de um nada.

Comemoremos, pois, o reconhecimento internacional de que o Brasil está alinhado com as melhores práticas trabalhistas, sempre conscientes de que há muito para melhorar e com a responsabilidade de não perdermos tempo para justificar um mundo irreal apenas para alimentar a própria vontade.

Os extremistas militantes precisam reaprender lições básicas que geralmente são passadas na infância: o mundo não existe para satisfazer nossos desejos e não podemos reagir com violência quando somos contrariados.  Afinal de contas, é fácil saber ganhar.  Difícil é assumir que a real vitória não era bem o que se esperava.

 é juiz do Trabalho no TRT-RJ e mestre e doutor em Direito pela PUC-SP.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2021-jun-01/trabalho-contemporaneo-brasil-saiu-lista-curta-oit-verdade-importa