PRÁTICA TRABALHISTA

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De acordo com as pesquisas, as mulheres sofrem mais assédio moral que os homens no ambiente laboral [1]. E, segundo os dados, 76% das trabalhadoras relatam já terem sido vítimas de violência e assédio no trabalho.

Mas o que seria o assédio moral? Registrem-se abaixo as palavras do procurador do trabalho Henrique Correa [2]:

"(...) O assédio moral é a conduta reiterada no sentido de desgastar o equilíbrio emocional do sujeito passivo, seja por meio de atos, palavras, gestos, que vise o enfraquecimento da vítima ou ao seu desequilíbrio emocional.
O assédio moral pode ser dividido em: 1) Assédio moral vertical: é aquele que ocorre em relação de hierarquia. Pode ser descendente, da chefia em direção ao chefiado, ou ascendente, do chefiado em relação a chefia. 2) Assédio moral horizontal: verifica-se quando há tentativa de desequilíbrio emocional oriundo de colegas em relação a outro colegas. 3) Assédio moral organizacional ou straining: ocorre quando todos os trabalhadores da empresa são vítimas de terror psicológico com ameaças de sofrer castigos caso metas de produção não sejam atingidas".

Dito isso, impende frisar que recentemente foi sancionada a Lei 14.188/21, que criou o tipo penal de violência psicológica contra a mulher, com pena de reclusão de seis meses a dois anos, além de multa.

De acordo com a nova lei, o Código Penal sofreu alterações, sendo inserido o artigo 147-B, o qual passu a dispor o seguinte: "Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação".

Frisa-se, por oportuno, que, inobstante a recente alteração legislativa, existe o Projeto de Lei nº 1.521, de 2019, em trâmite na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, para tipificar o assédio moral. Atualmente, o projeto encontra-se aguardando designação do relator [3].

Vale destacar ainda que o Ministério Público do Trabalho dispõe de uma cartilha sobre a violência contra as mulheres no trabalho [4]. Esse documento tem por objetivo elucidar concepções referentes à violência contra a mulher, e que podem ter consequências ambiente de trabalho.

A referida cartilha preceitua que o assédio moral no trabalho "consiste em condutas abusivas, reiteradas e sistemáticas, manifestadas por meio de comportamentos, palavras, gestos e agressões leves, que interferem na dignidade humana e direitos fundamentais das vítimas (liberdade, igualdade e direitos de personalidade de outrem), por meio da humilhação e constrangimento, e que resulta em prejuízo às oportunidades na relação de emprego ou na expulsão da vítima de seu ambiente de trabalho".

De outro norte, o Comitê Permanente pela Promoção da Igualdade de Gênero e Raça do Senado Federal também aborda a temática em uma cartilha [5], assim como o Conselho Nacional do Ministério Público [6].

Observa-se, portanto, que o assédio moral é caracterizado por condutas repetitivas no meio ambiente do trabalho que ofendam a dignidade da pessoa humana, causando angústia e padecimento.

Se é verdade que o assédio moral pode ocorrer do empregador para o empregado, de igual modo, este pode acontecer entre os próprios colaboradores.

É cediço que as mulheres enfrentam mais dificuldades quando assunto é o assédio moral — até porque são, na prática, as maiores vítimas no ambiente de trabalho — situação essa resultante de sua vulnerabilidade.

Decerto, a mulher, além de ter de lidar, muitas vezes, com o preconceito, ainda enfrenta inúmeros desafios, tais como: diferença salarial em relação aos homens; falta de oportunidades para o crescimento profissional e as múltiplas jornadas decorrentes do trabalho — afazeres domésticos e filhos, dada a cultura machista arraigada em nossa sociedade.

Entrementes, outro ponto que gera a desigualdade, e, de igual sorte, insegurança à mulher, se refere à maternidade. E, diante de tal contexto, identifica-se com certa frequência, infelizmente, a ocorrência do assédio moral contra a mulher no ambiente de trabalho, sendo que, aliás, na maioria das vezes, tal conduta não é punida, e nem sempre é perceptível.

Citem-se aqui alguns exemplos de assédio moral contra as mulheres: impossibilitar ou punir as gestantes de comparecer em consultas médicas; exigir que não engravidem; desvalorizar, de forma sumária, suas opiniões técnicas nas áreas de conhecimento que atuam; desmoralizar a mulher na frente de outros trabalhadores homens; ignorar a presença feminina; dispender tratamento desrespeitoso e humilhante em razão do sexo; criar constrangimento e/ou exposição da intimidade, entre outros.

Alguns dos principais motivos para que essas condutas não sejam penalizadas, ou, pior, para que não cheguem ao conhecimento dos responsáveis (quando praticados entre os colaboradores), estão relacionados ao medo da mulher de ser desligada da empresa, ou até mesmo por receio de que as suas denúncias sejam desvirtuadas.

Portanto, a empresa tem o dever e a obrigação de combater o assédio moral no ambiente de trabalho. Nesse prumo, o artigo 932, inciso III, do Código Civil [7] trata da responsabilidade objetiva do empregador, pela reparação civil, por atos praticados pelos seus empregados.

Aliás, a conduta de assédio moral, além de poder configurar dano moral propriamente dito, ensejando inclusive o pagamento de uma indenização, ainda pode acarretar na rescisão indireta do contrato de trabalho, conforme já se pronunciou o Tribunal Superior do Trabalho [8].

Uma das formas de combate às condutas assediadoras seria estabelecer políticas preventivas e corporativas, com a instauração de procedimentos de segurança e transparência, e que garantam acima de tudo à denunciante que a sua denúncia não irá lhe causar uma represália.

Nesse desiderato, a criação de um canal de denúncias eficaz, com critérios previamente estabelecidos, além de trazer tranquilidade, encoraja em igual sentido a mulher a romper o silêncio.

Outra forma de lutar contra o assédio moral seria a implementação de uma rede de apoio às mulheres, com profissionais especializados, garantindo a saúde física e mental da trabalhadora, acolhendo-a, visando a superar a violência sofrida para que resgate a sua autoestima.

De modo semelhante, medidas outras podem ser adotadas pela empresa a exemplo de treinamentos corporativos explicativos, de modo que é fundamental que a empresa invista em políticas de igualdade entre homens e mulheres. 

É certo que, se não houver um tratamento preventivo e de orientação quanto às atividades tóxicas no ambiente laboral, dificilmente o cenário irá se alterar, tendo em vista que, muitas vezes, as condutas são praticadas em virtude dos conceitos culturais e estruturais outrora resultados de uma sociedade patriarcal.

Em arremate, verifica-se que as dificuldades enfrentadas pelas mulheres têm raízes históricas e, portanto, é necessária uma mudança, tanto na forma de pensar, quanto na forma de agir das empresas, para romper os padrões de séculos atrás, e que não podem mais continuar.


[2] Correa, Henrique. Curso de Direito do Trabalho – Salvador: Editora JusPodivm, 2021, p. 1134.

[6] Disponível em http://www.mpf.mp.br/sc/arquivos/cartilha-assedio . Acesso em 03.08.2021.

[7] Artigo 932. São também responsáveis pela reparação civil: (...). III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

[8] RR-1592-09.2012.5.09.0673, 6ª Turma, relator ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 13/12/2019.

 é mestre em Direito pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador Acadêmico do projeto “Prática Trabalhista” (Revista Consultor Jurídico - ConJur), palestrante e instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe, e membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP).

Leandro Bocchi de Moraes é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô, membro da Comissão Especial de Direito do Trabalho da OAB-SP e pesquisador do Núcleo "Trabalho Além do Direito do Trabalho" da Universidade de São Paulo – NTADT/USP.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2021-ago-05/pratica-trabalhista-assedio-moral-mulheres-meio-ambiente-trabalho