OPINIÃO

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A Organização Internacional do Trabalho (OIT) define assédio sexual como comentários impróprios, convites impertinentes, insinuações, atos e contatos físicos forçados, dentro ou fora da empresa. Muitas vezes a prática envolve relações hierárquicas e vem acompanhada de coação, chantagem, humilhação, insultos e intimidação. A prática é tão comum quanto se imagina, e pode ter efeitos catastróficos sobre a vida de colaboradores e corporações — como ficou claro recentemente com denúncias ao presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) por comportamentos impróprios. Para proteger funcionários e evitar danos materiais e imateriais a instituições e empresas, é preciso desenvolver programas de integridade específicos: o compliance de gênero.

Pesquisa elaborada pela consultoria de inovação social Think Eva, em parceria com a rede social LinkedIn, mostra que cerca de 50% das mulheres afirmam ter sofrido assédio no trabalho. Porém, só 5% denunciaram seu agressor. A conhecida omissão e indiferença reinantes no ambiente corporativo são as maiores barreiras à investigação, e raramente a vítima formaliza uma reclamação no RH da empresa. Com toda essa insegurança incutida nos colaboradores, diversas empresas contemplam a bomba-relógio da crise institucional, cujo melhor antídoto é o programa de compliance.

Este tem por objetivo a definição de regras para promover a igualdade entre profissionais de uma empresa, oferecendo a mulheres um ambiente seguro, sem discriminação e com políticas firmes antiassédio. Entre as boas práticas adotadas, um canal efetivo de denúncias é fundamental. Trata-se de um meio pelo qual os colaboradores podem comunicar fatos considerados ilegais, tanto para assédio quanto para desvios de verba, por exemplo. Essa ferramenta permite que os funcionários falem com segurança sobre irregularidades cometidas dentro da instituição e pode ser implementada pelo RH ou mesmo pelo setor de compliance, mas deve garantir a segurança do colaborador, devendo haver, inclusive, a possibilidade de uma denúncia anônima.

Após o recebimento da denúncia, é fundamental que o assunto seja tratado com seriedade e cautela. Além de se acolher a vítima, deve haver investigação transparente. Colocar panos quentes na situação, por receio da repercussão e desgaste, pode ser ainda mais prejudicial, já que uma a cada seis mulheres se desliga da empresa justamente para não mais conviver com o assediador. Ou seja, a empresa, além de lidar com uma sensação de impunidade perante os demais colaboradores, está sujeita a perder talentos. Além do prejuízo humano, a empresa está suscetível a condenações judiciais que irão repercutir no bolso, já que o funcionário pode demandar numa ação trabalhista.

Além disso, a conscientização é fundamental. Diversas consultorias são especializadas em treinamentos de prevenção ao assédio organizacional, todavia, mesmo que não haja a contratação de consultores externos, RH e gestores devem estimular boas práticas no ambiente de trabalho, transmitido segurança e respeito quando um funcionário venha a expor suas angústias. Além disso, a correta implementação de códigos de ética e conduta reforçam o comprometimento de uma empresa em combater o assédio. Reconhecer os sinais, acolher as vítimas e punir os culpados são atitudes fundamentais dentro de uma empresa, afinal, todos são responsáveis por combater o assédio sexual.

E a vítima? Qual o primeiro passo? Quem sofre o assédio deve denunciar a conduta do agressor ao RH, gestor ou canal de denúncias. Além disso, buscar assistência jurídica é fundamental caso a vítima não se sinta segura. Um advogado poderá sempre atuar caso a empresa não tenha um canal de denúncias adequado, ou mesmo caso seja necessário ingressar no judiciário. Além disso, o apoio de testemunhas e a coleta de indícios contra o agressor são fundamentais. E-mails, mensagens, bilhetes e áudios podem ser utilizados em prol do melhor esclarecimento dos fatos.

No Brasil, a legislação elenca diversos crimes contra dignidade sexual, cujas penas seguem a lógica da proporcionalidade: quanto mais danosa a ofensa, mais anos de cadeia. Em 2018, por exemplo, sancionou-se a capitulação do crime de importunação sexual, buscando-se preencher lacuna punitiva no tocante ao enfrentamento da importunação "menos grave" do que o crime de estupro. A novidade mirou a prevenção e repressão de atos sórdidos vivenciados diariamente por mulheres, especialmente no transporte público, cujos infratores escapavam às garras da lei porque a conduta, embora abjeta, não preenchia os requisitos mínimos para a configuração do estupro, o qual exige conjunção carnal ou ato libidinoso diverso, consumado mediante grave ameaça.

O crime de assédio sexual, no Brasil, tem outro enfoque: a superioridade hierárquica no ambiente de trabalho a serviço da obtenção de vantagem ou favorecimento sexual, por meio do constrangimento da vítima. A pena varia de um a dois anos de prisão, configurando-se mesmo na ausência de contato físico comprovado.

Como aconteceu no caso de Rogério Caboclo (CBF), convites reiterados de confraternização íntima e pessoal, comentários com conotação sexual e perguntas indiscretas se enquadram em assédio. Essa conduta invasiva, atentando contra a liberdade sexual de um funcionário, além de tipificar crime, macula a imagem de uma empresa, ainda que seja promovido o desligamento posterior do agressor. Contudo, é comum sequer haver punição ao assediador, de modo que a vítima se vê obrigada a seguir convivendo com seu algoz, disseminando-se insegurança e descrédito entre os demais colaboradores já que a sensação de impunidade contamina o ambiente de trabalho.

O mundo evoluiu e as empresas precisam refletir que situações antes percebidas como banais, suportadas pela sociedade, hoje são compreendidas como intoleráveis pelos próprios colaboradores. O caminho seguro para menos assédio no ambiente de trabalho depende do engajamento vertical: líderes e gestores devem aderir e estimular a conscientização sobre o tema, já que servem de exemplo para toda a instituição. RH e jurídico devem implementar boas práticas de compliance de gênero, realizando treinamentos, reforçando a segurança e transparência no trato de denúncias e apoio às vítimas.

 é criminalista especializado em Direito Penal Econômico e LGPD e sócio fundador do escritório Damiani Sociedade de Advogados.

 é especialista em Direito Digital e proteção de dados pelo Data Privacy Brasil e em Processo Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, associada do escritório Damiani Sociedade de Advogados.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2021-out-08/opiniao-assedio-sexual-importancia-compliance-genero