Por Anaïs Fernandes, Valor — São Paulo

A economia brasileira parece destinada a um período de inflação alta e crescimento fraco - ou inexistente - nos próximos trimestres, ainda que isso deva ser temporário, avalia a Capital Economics em um relatório intitulado "Brasil: sinais de estagflação".

Embora tal situação possa colocar os bancos centrais em uma situação difícil, no caso do Brasil, há poucas dúvidas de que a autoridade monetária permanecerá focada nos riscos de inflação, acrescenta o documento, estimando uma Selic de 9% no início do ano que vem.

A consultoria acaba de revisar suas projeções para o crescimento do Brasil em 2022 de 3% para 1,3% e de 2% para 1,8% em 2023. Segundo William Jackson, economista-chefe para mercados emergentes da CE, isso significa que o PIB do país estaria, no período, ainda 3% a 3,5% abaixo da tendência pré-covid.

A economia brasileira se recuperou fortemente em junho e julho à medida que novos casos de covid-19 caíram e a maioria das restrições foi suspensa, diz Jackson. Com a forte "herança estatística" gerada, o crescimento do PIB no terceiro trimestre, em relação aos três meses imediatamente anteriores, "provavelmente será muito bom, talvez em torno de 0,8%", afirma o economista.

As perspectivas à frente, no entanto, estão ficando piores conforme restrições de oferta causam - ou causarão - um enfraquecimento no ímpeto da economia brasileira, avalia Jackson. Isso ocorre, segundo ele, por três canais.

Primeiro, o choque nos preços dos alimentos no país e o aumento da conta de luz, induzido pela seca, elevaram drasticamente a inflação, pesando sobre os gastos do consumidor. "A inflação atingiu 10,2% em 12 meses até setembro, e o aumento mensal nos preços ao consumidor, de 1,2%, foi o mais alto para qualquer setembro desde 1994, quando o Brasil estava saindo da hiperinflação", lembra Jackson.

Embora o resultado do mês passado, provavelmente, tenha sido o pico da inflação acumulada, "a taxa permanecerá extremamente alta em 7%-10% no próximo ano", diz o economista.

A situação, por sua vez, corrói o poder de compra das famílias e, embora as vendas no varejo tenham aumentado acentuadamente em termos nominais ao longo deste ano, elas caíram em termos reais, observa Jackson.

"Em agosto, elas ficaram 4,3% abaixo do pico em novembro do ano passado. Isso sugere que preços mais altos estão impedindo as vendas. A queda acentuada na confiança do consumidor em setembro indica que essa tendência, provavelmente, continuou no mês passado. É provável que a alta inflação continue pesando sobre a renda real e o consumo nos próximos trimestres", afirma.

Em segundo lugar, Jackson reforça que o forte aumento da inflação levou o Banco Central do Brasil a apertar a política monetária de forma agressiva, o que ainda está em curso. "Isso reduz a probabilidade de que as altas taxas de inflação atuais aumentem (ainda mais) as expectativas e façam com que o problema da inflação se enraíze. Mas pode contribuir para reduzir os empréstimos bancários e, por extensão, os investimentos. Embora ainda não haja sinais de taxas de juros mais altas causando desaceleração no crescimento do crédito, no passado isso tendia a ocorrer com atraso", diz o economista.

Em terceiro, Jackson cita que a escassez de peças e componentes está pesando sobre a produção do setor automotivo e diz parecer improvável que esses problemas de oferta sejam atenuados no curto prazo.

"A situação poderia ser ainda pior se a atual seca e seus efeitos na geração de energia hidrelétrica resultassem em um período de racionamento de energia obrigatório. Isso aumentaria a inflação (por meio de tarifas de eletricidade ainda mais altas), provocaria uma nova resposta hawkish [contrária a estímulos] do Banco Central e interromperia a atividade em uma variedade de setores, especialmente a indústria", afirma Jackson.

Além das questões de abastecimento, outras forças devem pesar negativamente sobre a recuperação do Brasil. Por exemplo, o pano de fundo externo está mudando de um "vento favorável" para um "vento contrário", diz o economista. "Os preços de algumas das exportações de commodities do Brasil, principalmente minério de ferro, já começaram a cair e esperamos que isso continue. A perda resultante de receitas de exportação pesará sobre a demanda interna."

No fim, "o resultado é que a economia do Brasil está perdendo ímpeto mais cedo e com mais rapidez do que havíamos previsto", resume Jackson. Assim, após "um forte terceiro trimestre", a expectativa é que o ritmo de recuperação desacelerará. "Nossa hipótese de trabalho é que o PIB ficará estável em termos trimestrais no quarto trimestre e se expandirá por meros 0,2% a 0,3% ao longo dos trimestres subsequentes", estima Jackson. A atividade fraca no fim de 2021 reduz a "herança estatística" para 2022, o que também ajuda a explicar a revisão na projeção da consultoria.