Inflação cresce pelo lado da oferta, como no choque do petróleo nos anos 70, mas demanda também tem contribuído com alta dos preços

Por Mitchel Diniz

SÃO PAULO – Os últimos indicadores têm chamado atenção por mostrarem um avanço da inflação maior do que a atividade econômica em si. Nos Estados Unidos, o último dado de criação de emprego veio bem abaixo do esperado, enquanto os preços ao consumidor subiram um pouco mais do que o previsto. Aqui no Brasil, os últimos números de produção industrial e do varejo decepcionaram, enquanto o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor) teve a maior variação para um mês de setembro desde 1994. Seriam provas de que o mundo vive um novo momento de estagflação?

Segundo economistas ouvidos pelo InfoMoney, apesar dos indícios, ainda não é possível cravar que esse seja o caso. “Estamos em uma fase muito complicada para saber o que é perene ou um soluço de único mês”, afirma Marcela Kawauti, economista-chefe da Prada Assessoria, lembrando que a pandemia não é um problema sanado. “Os dados vieram piores do que o mês imediatamente anterior, mas certamente estão melhores que os de doze meses atrás”, complementa.

Rachel Sá, chefe de economia da Rico e entusiasta do assunto, destaca que alguns setores podem estar vivendo, sim, um momento de estagflação, mas não a economia como um todo. “Pode ser que a indústria esteja passando por um momento de estagflação, pois os insumos estão caros e é a oferta que está puxando a a alta de preços no setor, não a demanda. Mas na parte de serviços, a demanda continua subindo”, explica.

“Estagflação” ou crescimento baixo?

O termo “estagflação” surgiu há quase cinco décadas e pode ser encontrado em qualquer dicionário. Na definição do Houaiss, estagflação é: “o fenômeno da estagnação (baixo crescimento econômico, aumento da taxa de desemprego) combinado com inflação (aumento contínuo de preços).” É assim que alguns economistas e analistas de mercado têm descrito o atual cenário global, justamente num momento em que as economias ensaiam uma retomada, após o pior da pandemia, e se deparam com um descompasso entre oferta e demanda.

A primeira vez em que se usou esse termo foi em 1973, no episódio que ficou conhecido como “choque do petróleo”. Na época, os países exportadores da matéria-prima passaram a regular seu escoamento, com o objetivo de controlar preços. Em três meses, a cotação do combustível disparou, com um empurrão extra de conflitos geopolíticos.

A restrição provocou uma desaceleração generalizada da atividade econômica, que dependia do insumo, muito mais do que hoje em dia. Não houve um superaquecimento da demanda, como ocorre com a inflação convencional – os custos se elevaram pelo lado da oferta.

No momento atual, assim como na década de 70, a inflação também tem acelerado por pressão no lado dos custos. Isso acontece por uma série de fatores. Vale lembrar, por exemplo, que a pandemia bagunçou a logística da cadeia produtiva, com fábricas e portos fechados durante meses. Agora que as coisas voltam a funcionar, os fornecedores estão tendo dificuldades em acompanhar a demanda da indústria. É por isso que está faltando chips para a indústria automotiva e fabricantes de eletrônicos também estão diminuindo a produção, por escassez de componentes.

As matérias-primas, como o minério de ferro, dispararam de preço e ainda que esse movimento tenha amenizado nas últimas semanas, as cotações estão em patamares historicamente altos, acima dos US$ 100 a tonelada. Além disso, tem a desvalorização do real, o que encarece a produção de itens básicos, que dependem de insumos importados.

A cereja do bolo é a crise energética. No Brasil, a escassez de chuvas levou ao aumento dos preços de energia elétrica, o que afeta não só o consumidor final, mas a cadeia produtiva como um todo. Na Europa, falta gás natural às vésperas da chegada do inverno no hemisfério norte e na China, o consumo de carvão, principal matriz energética do país, está restrito, com o intuito de reduzir a emissão de gases do efeito estufa.

O que difere o momento atual dos anos de choque do petróleo, segundo economistas, é que a pressão inflacionária não vem apenas dos custos, mas também de uma maior procura e consumo de bens e serviços. “A inflação foi provocada por um período de juros historicamente baixos e este ano ainda vamos ter um crescimento robusto da economia. Logo, ainda temos uma inflação provocada por demanda”, afirma Rachel, da Rico. Os economistas do Banco Central (BC) preveem que o Produto Interno Bruto (PIB) de 2021 avance 5,04%, o que afasta, por enquanto, um cenário de recessão.

“Ainda que a previsão para o PIB de 2022 seja menor [de 1,54%, segundo o Relatório Focus do BC], seria um cenário de crescimento baixo, mas não de estagflação. Alguns setores estão crescendo mais, o mercado de trabalho está andando”, diz Rachel.

Até quando?

O problema da inflação puxada pelo lado da oferta é que ela não se resolve apenas com uma política monetária contracionista, de controle dos preços por meio da alta de juros. “O Banco Central sobe juros para desacelerar a demanda e segurar o repasse da inflação da oferta. Porém, isso não resolve a inflação provocada pelo dólar mais alto, pela crise hídrica ou o petróleo mais caro”, explica Marcela, da Prada Assessoria.

Ela lembra que choques de oferta costumam ser temporários e se resolvem com ajustes na cadeia de suprimentos. “O problema é que, desta vez, o temporário está durando muito tempo. Os gargalos de produção só devem normalizar no ano que vem. São choques longos e um acúmulo de choques diferentes”, conclui a economista.

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https://www.infomoney.com.br/mercados/diagnostico-de-estagflacao-e-precipitado-dizem-economistas/