CAUSA DE PEDIR

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A possibilidade de usar provas compartilhadas pelo Supremo Tribunal Federal para caracterizar o abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação da chapa de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão nas eleições de 2018 se tornou um dos principais pontos a serem definidos pelo Tribunal Superior Eleitoral, nas duas ações de investigação judicial eleitoral que ainda serão julgadas.

Corregedor da Justiça Eleitoral, ministro Luis Felipe Salomão é o relator das duas ações contra a chapa Bolsonaro-Mourão
Rafael Luz

Bolsonaro e Mourão foram processados pela coligação "O Povo Feliz de Novo", do PT, com base em reportagens do jornal Folha de S.Paulo que mostraram o uso de disparos em massa no Whatsapp finaciado por empresários, de modo a prejudicar a candidatura de Fernando Haddad à Presidência da República.

Desde 2019, o TSE aguarda o compartilhamento de provas do inquérito das fake news (Inq. 4.781), do inquérito dos atos antidemocráticos (Inq. 4.828) e do inquérito que apura a existência de uma quadrilha digital antidemocrática (Inq. 4.874) — que no Supremo estão sob relatoria do também integrante da corte eleitoral, ministro Alexandre de Moraes.

A chegada desse material aos autos das aijes só se completou em setembro de 2021 e pode fazer toda a diferença.

Em alegações finais, a coligação autora das ações defende que os elementos levantados nas investigações do STF apontam a existência de uma organização criminosa — o "gabinete do ódio" — responsável por planejar e financiar irregularidades eleitorais que são claras o suficiente para levar à cassação de Bolsonaro e Mourão.

Isso atenderia plenamente aos objetivos das duas aijes: investigar abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social referente à ilegalidade no financiamento, potencialmente empresarial, para disseminação de propaganda eleitoral, inclusive contendo informações falsas, como campanha eleitoral pró-Bolsonaro.

Para a defesa de Bolsonaro, as provas do STF têm a ver com muitas coisas, menos com o objetivo específico das aijes: apurar a suposta contratação de empresas de tecnologia para serviços de disparo em massa de mensagens de conteúdo eleitoral, pelo aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp.

Isso faz com que a delimitação do que estará em julgamento seja fundamental para evitar um alargamento do pedido inicial.

Foi com base exatamente nesse aspecto que, em 2017, o TSE decidiu não cassar a chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, acusada de abuso de poder econômico ao não observar as regras para arrecadar e gastar recursos na campanha.

Durante o processo, houve a tentativa de incluir, como provas, fatos relacionados à delação da Odebrecht. Por maioria apertada de votos, o TSE definiu que a medida extrapolaria o que foi pedido na inicial da ação. O precedente é inclusive citado pela defesa de Bolsonaro.

Jair Bolsonaro, durante a campanha eleitoral para a Presidência do Brasil, em 2018
Fernando Frazão/Agência Brasil

Só dez dias
O problema é que ambas as partes no processo não sabem exatamente o que, dentre todos os elementos levantados pelo Supremo Tribunal Federal, tem a ver com o caso julgado no TSE ou não. As provas começaram a chegar ao TSE em 14 de julho de 2021, mas permaneceram acauteladas na Secretaria da Corregedoria-Geral.

Antes disso, a defesa de Jair Bolsonaro peticionou duas vezes para acessar o conteúdo. O relator das aijes e corregedor da Justiça Eleitoral, ministro Luis Felipe Salomão, negou o primeiro pedido. O segundo — recurso contra a primeira negativa — não chegou a ser julgado porque em 28 de setembro o acesso a todas as partes foi liberado.

Na ocasião, Salomão concedeu "prazo improrrogável" de dez dias para acesso ao material e apresentação de alegações. Em 4 de outubro, restringiu o acesso, com ordem de exclusão de documentos que não guardariam pertinência com o objeto das aijes.

A medida deixou insatisfeitas as duas partes.

A coligação autora das ações defende a necessidade de aprofundamento das investigações justamente em razão das relevantes informações compartilhadas. Diz que o acesso apenas parcial dos documentos abre risco de suprimir informações valiosas para o deslinde das aijes.

Defende ainda que adotar postura reativa quanto à necessidade de mais apuração, diante da gravidade dos fatos denunciados e a extensão dos danos, seria agir "em dissonância com o interesse público".

Relator dos inquéritos em tramitação no STF, ministro Alexandre de Moraes é também integrante do TSE
Fellipe Sampaio /SCO/STF

E a jornalista?
A defesa de Bolsonaro também protestou. Alegou que o prazo de dez dias atenta contra os princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e toda a gama de inovações trazidas pelo Código de Processo Civil. E diz que há, no compartilhamento, documentos que merecem "total desprezo e desconsideração como prova", pois não têm pertinência temática com as aijes.

Ao citar o precedente da chapa Dilma-Temer, alega que o conteúdo dos inquéritos, "por possuírem em seu núcleo probatório exclusivamente supostos fatos não previstos na inicial, deve ser completamente descartado".

Essa foi a posição defendida, também, pelo vice-procurador-geral Eleitoral Paulo Gustavo Bonet Branco, em manifestação enviada ao TSE. Em sua visão, as provas dos inquéritos não servem para comprovar se a chapa de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão usou disparos em massa para desequilibrar as eleições de 2018 — já que entende ser essa a delimitação da discussão (causa de pedir) nas duas aijes.

As alegações do presidente ainda se voltam novamente contra a jornalista Patrícia Campos Mello, autora da reportagem da Folha que gerou os processos. Afirma que ela em momento algum foi questionada sobre os fatos que relatou e pede que seja obrigada a fornecer os documentos que diz terem respaldado as publicações.

Jurisprudência e definição
Para o TSE, não basta o reconhecimento da conexão entre os fatos apurados nos inquéritos do Supremo Tribunal Federal e as práticas ilícitas denunciadas na campanha de 2018. A jurisprudência da corte indica que, para a cassação, é necessário provar que as condutas tiveram gravidade suficiente para interferir no resultado da eleição.

As reportagens da Folha de S.Paulo também geraram outras duas ações de investigação judicial eleitoral, que foram julgadas pelo TSE em fevereiro de 2021, sem contar com as provas compartilhadas. Nelas, entendeu que os autores — o PDT e a coligação "Brasil Soberano" — não comprovaram sequer que disparos em massa no WhatsApp foram feitos.

Aije 0601782-57.2018.6.00.0000
Aije 0601779-05.2018.6.00.0000

 é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2021-out-15/provas-stf-geram-embate-limites-tse-julgar-bolsonaro