OPINIÃO

Por  e 

Certa ocasião, o 35º presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, defendeu que "change is the law of life and those who look only to the past or present are certain to miss the future" [1]. Essa frase constituída de palavras simples pode ser empregada em diversos contextos, dada a profundidade do que pode significar, pois, assim como no mito da caverna de Platão, resistir à mudança (olhar para a luz) pode explicar a condição em que vivem os seres humanos, aprisionados pelos sentidos e os pelos preconceitos que impedem o conhecimento de novas verdades.

Vive-se uma nova era em que a tecnologia inundou a vida dos indivíduos e a internet é um aparato extremamente progressista e está posta à disposição para ser utilizada. Conquanto a democratização de seu uso seja um problema social, não se deve diminuir sua importância em várias searas nos tempos atuais.

Jungido a isso, o sistema multiportas de solução de conflitos despontou no horizonte do direito como instrumento a sedimentar como idôneos os meios que antes eram alternativos à solução dos conflitos visando a resolver a crise de colaboração na realização do direito material.

Nesse sentir, é inegável que o uso de tecnologia de informação robustece o acesso à justiça, pois favorece a otimização dos modelos de solução de conflitos. Todavia, o uso de tecnologia esbarra, muitas vezes, na resistência à mudança, na rejeição irracional dos operadores do direito que sequer buscam compreender os benefícios para a crise do processo.

Defende-se nestas breves linhas a edificação utopista de tribunais online trazida no livro "Online Courts and the Future of Justice", do autor britânico Richard Susskind, cuja ideia tem o propósito de arrematar que o tribunal, local em que se busca a Justiça, não é o prédio, mas sim o serviço público, de forma que está presente em todo lugar em que há a prestação jurisdicional, seja presencialmente, seja virtualmente, mormente em tempos de processo eletrônico e ante os princípios que o regem, tais como a ubiquidade e desmaterialidade.

Tribunais online, dessarte, seriam um serviço público de resolução de conflitos guarnecido pelo Estado, vocacionado a ser interpretado sob dois enfoques, sendo um específico relativo a determinação de casos por juízes humanos, mas não em tribunais físicos; e um geral relativo a um sistema que aproveita a tecnologia e é capaz de estender seu alcance além dos tribunais tradicionais, ou seja, um tribunal em que a tecnologia permite mais do que decisões judiciais.

No tribunal online parte ou totalidade da atividade judicante é realizada por via remota, como um método de solução de conflitos, dentre os muitos já dispostos, ante ao enlaçamento do sistema multiportas, mas exercido de forma precipuamente virtual.

Nesse tablado de tribunal online estimula-se a consideração de mecanismos que facilitem o acesso à justiça a exemplo de ferramentas que podem ajudar os usuários do tribunal a compreenderem a legislação e as opções disponíveis ou ainda orientá-los no preenchimento de formulários judiciais e ajudá-los a formular seus argumentos e reunir suas provas.

Todavia, para que se possa falar em tribunais online, no sentido proposto por Susskind, entende-se ser imprescindível que o Poder Judiciário abandone velhos hábitos para que, com eficiência, o tribunal possa ser um serviço público e de qualidade, já que a Corte Digital proposta tem com finalidade última ampliar o acesso à justiça, barreira de difícil, mas não de impossível transposição.

Nesse aspecto, entende-se que para que os tribunais online vinguem na Justiça do Trabalho é preciso se desmistificar que a tecnologia é incompatível como o Direito. Ao revés, a tecnologia é uma grande aliada ao processo de eficiência da Justiça e aumenta exponencialmente o acesso à justiça, pois permite um serviço mais descomplicado para o usuário e estaria disponível para muito mais pessoas, bem como se economizaria recursos não somente para os demandantes, mas também para os sistemas de justiça.

Assim, tem-se que os tribunais online são compatíveis com a Justiça do Trabalho, porquanto são fáceis de serem usados, mormente porque, na vessada laboral, as partes prescindem de advogado na primeira instância. As cortes digitais renderiam economia para o jurisdicionado e para o Poder Judiciário, bem como ainda levaria a um novo caminho de resolução de conflitos.

Nos EUA, exemplo de aplicação de tribunal online no campo laboral está com a NMB (National Mediation Board) uma plataforma para solução de conflitos nas relações de trabalho nas áreas de linhas aéreas e indústrias ferroviárias. O exemplo norte-americano e as ideias propostas por Susskind utilizadas como elemento estruturante desse texto, permitem a conclusão de que os tribunais online são compatíveis com a especializada.

Aquela vetusta estrutura de prédio onde o jurisdicionado busca a justiça, local em que o juiz está numa vara do trabalho, sentado e posicionado em um lugar mais elevado, representando o poder estatal, deu lugar ao acesso à softwares, em que cada parte, advogado ou testemunhas acessam de aparelho com acesso à internet a sala de audiência virtual e, com isso, participam dos atos processuais, da mesma forma que antes era feito presencialmente.

A utilização de ferramentas tecnológicas, portanto, acelerou o movimento de informatização do Judiciário e demonstrou que, indubitavelmente, a tecnologia pode contribuir para a produção qualitativa dos tribunais. Dados do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, por exemplo, revelam que de 16/3/2020 a 20/4/2022, foram prolatadas 1.153.426 sentenças, 953.310 decisões, 4.087.748 despachos, 45.517.812 atos de serventuários e arrecadados R$ 107.250.452,18 [2].

Por outro lado, não se deve olvidar que apesar dos benefícios que os atos virtuais trouxeram, há uma recorrente preocupação com a questão do acesso à justiça principalmente em países como o Brasil que necessita de uma democratização da internet e em que há muitos analfabetos digitais.

Para que haja respeito a premissa do acesso à justiça, os participantes do ato processual telepresencial devem ter internet de qualidade e estável, o que quer significar que a inclusão digital é a nova fronteira da inafastabilidade da jurisdição, devendo ser garantida a todos, como direito fundamental. A situação ainda é agravada pela incipiente instrução dos jurisdicionados que na Justiça do Trabalho, em sua maioria, são trabalhadores com baixo grau de escolaridade.

Com o amplo uso das ferramentas tecnológicas e da virtualização do processo torna-se inevitável a inclusão digital para permitir a tutela efetiva dos direitos. O direito à inclusão digital deve proporcionar o uso da tecnologia de forma consciente, de modo a capacitar o indivíduo para a sua utilização, concedendo-lhe não só o acesso a computadores e à internet, mas também o acesso às tecnologias da informação, que decorrem do direito fundamental à informação, pois o acesso à internet não significa apenas saber trocar mensagens no WhatsApp e postar e/ou curtir fotos no Instagram.

A inclusão digital é mais do que o acesso proporcionado por computadores e celulares à internet, pois constitui no enfrentamento e superação de obstáculos tecnológicos, sociais, históricos, culturais e econômicos que existem para aproximar os cidadãos da tecnologia de informação e comunicação, e, por corolário, do Poder Judiciário e da própria Justiça.

Não é fácil, portanto, equalizar o acesso à Justiça em ambientes online em países como o Brasil, pelas razões já expostas, mas isso não pode ser utilizado como fundamento para o retrocesso e para se obliterar os benefícios que a utilização de ferramentas tecnológicas proporcionam. Deve-se desmistificar a ideia de que a justiça só pode ser feita dentro dos prédios do Judiciário, como se o tribunal devesse ser visto apenas como um lugar e não como um serviço.

Quando da implantação do processo eletrônico houve muita resistência não somente de partes e advogados, mas até mesmo de membros do Poder Judiciário que se apegavam à ideia de que o processo físico era mais seguro, pois nele ficava registrado tudo o que ocorria no processo. Todavia, a resistência, com o passar do tempo, deu lugar ao hábito e à percepção de que a tramitação eletrônica de processos gerou ganhos em eficiência, economia e acessibilidade. Sepultou-se a rijeza.

Realidade equivalida é que a internet é um dado da vida moderna e está aí para ser utilizada, sendo missão do Poder Judiciário ampliar o acesso à justiça, potencializando seus procedimentos com o uso desse artefato tão progressista.

Mudanças homeopáticas como a inserção de educação digital nas escolas, inserção da disciplina de Direito de Digital na graduação; cobrança da disciplina na prova da OAB; ofertas de cursos sobre a matéria pela OAB; incentivos para equipar as salas da OAB, a fim de que os advogados possam usar e saibam manejar a tecnologia, são alguns dos diversos exemplos de como a inclusão digital pode ser alcançada e como isso pode contribuir para a sedimentação dos tribunais online.

Noutra vertente, a disponibilidade de salas nos prédios da Justiça com computadores com acesso à internet e com servidores capacitados que possa auxiliar o jurisdicionado a preencher o formulário de suas demandas, auxiliá-los a juntar suas provas e reunir ou requisitar documentação, bem como o investimento em contratação de pessoal capacitado para o auxílio ao jurisdicionado como problemas de alfabetização, linguagem, deficiência visual, auditiva ou outras deficiências de saúde física ou mental para que estes possam ter a oportunidade de levar a violação de seu direito à apreciação da Justiça, são alguns dos exemplos de como os tribunais online podem ser bem-sucedidos.

Nesse ponto não se está a desconsiderar a importância dos profissionais de advocacia, até porque estes são indispensáveis à administração da Justiça, na dicção do artigo 133 da Lei Magna, mas assim como Mauro Cappelletti e Bryan Garth, aqui se defende a ampliação do acesso à justiça com auxílio da própria Justiça do Trabalho.

Nos tribunais online, ainda, sugere-se a possibilidade de tomada de decisões por algoritmos para a resolução de demandas menos complexas a exemplo daquelas atinentes a pagamentos de verbas rescisórias, horas extras não pagas, mas registradas, controvérsia sobre a aplicação de determinada norma coletiva, etc., sendo certo que, visando à eficiência processual, essa medida poderia resolver um grande volume de demandas de baixa complexidade, deixando que a força humana ficasse a cargo da resolução de demandas mais complexas.

Os tribunais online podem engendrar uma justiça mais sensível e menos custosa, facilitando a comunicação e o acesso de, por exemplo, pessoas debilitadas, presas ou até mesmo vítimas de violência doméstica ou protegidas por programas de proteção a testemunhas, de forma que as cortes digitais acabam por desenvolver novos procedimentos de resolução de conflitos que atendem ao interesse social.

Somado a tudo isso, há normativos criados pelo Conselho Nacional de Justiça que dão subsídios para a implementação dos tribunais online no país, a saber: a Resolução n. 345/2020 que criou o "Juízo 100% Digital", a Resolução nº 358/2020, que regulamenta a criação de soluções tecnológicas para a solução de litígios pelo Poder Judiciário por meio da conciliação e mediação, dentre outros.

Como visto, não haveria vilipêndio ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, na medida em que aquele que não possui acesso à internet ou possua carência digital poderia recorrer a estrutura fornecida pelo Poder Judiciário. O acesso à Justiça com o tribunal online na Justiça do Trabalho, portanto, seria ponderosamente aumentado.

À guisa de conclusão, defende-se que deve haver uma reflexão por parte da sociedade em especial por parte dos operadores do direito quanto a não utilização desses aparatos sem ao menos conhecê-los.

A resistência, como já versado em linha transatas, é comum ao ideário humano, mas assim como aqueles indivíduos presos e posicionados de costas para a entrada da caverna na alegoria do mito da caverna em "A República" de Platão, em que tudo que eram capazes de ver era a parede, na era digital deve-se ser aquele que conseguiu se libertar da prisão e perceber que as sombras que se viam dentro da caverna eram os reflexos de uma realidade imperfeita e distorcida, sendo certo que voltar para caverna não seria viver como antes. Isso quer significar dizer que se deve seguir adiante não tendo receio quanto à mudança, permitindo-se que se aceite o uso de novos métodos postos à disposição do jurisdicionado para a solução de conflitos e que podem tornar o tribunal um serviço público muito mais eficiente.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Programa Justiça 4.0. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/06/Cartilha-Justica-4-0-WEB-28-06-2021.pdf. Acesso em: 4/3/2022.
______. Conselho Nacional de Justiça. Resolução n. 345 de 9/10/2020. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3512. Acesso em: 4/3/2022.
______. Conselho Nacional de Justiça. Resolução n. 358 de 2/12/2020. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3604. Acesso em: 4/3/2022.
PLATÃO. A República. Trad. de Ciro Mioranza. São Paulo: Lafonte, 2019.
SUSSKIND, Richard. Online Courts and the Future of Justice. Oxford: Oxford University Press, 2019.
UNITED STATES OF AMERICA. Nation Mediation Board. Disponível em: https://nmb.gov/NMB_Application/. Acesso em: 4/3/2022.


[1] Tradução livre: "mudança é a lei da vida e aqueles que olham somente para o passado ou presente certamente perdem o futuro".

[2] Fonte: https://portal.trt3.jus.br/internet/transparencia/decisometro-trt-mg-covid-19. Acesso em: 9/3/2022.

 é juiz do Trabalho Substituto no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, especialista em Ciências do Trabalho pela Faculdade Lions e autor de diversos artigos jurídicos.

 é juíza do Trabalho substituta no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, especialista em Inovações em Direito Civil e seus Instrumentos de Tutela pela Universidade Anhanguera (Uniderp) e autora de diversos artigos jurídicos.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2022-abr-28/opiniao-ideia-tribunais-online-justica-trabalho