TRABALHO CONTEMPORÂNEO

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Fixada a tese do Tema 638 da repercussão geral: "A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo".

Sempre com todas as vênias e respeitando os entendimentos contrários, a decisão de semana passada do Supremo Tribunal Federal deixou, muito, a desejar. São tantas questões pendentes e novas dúvidas a serem dirimidas, que o espaço nem permite a abordagem de todos os problemas que seremos chamados a resolver daqui em diante.

O primeiro problema a ser enfrentado é o fato de a decisão se referir a caso que ocorreu em 2009, muito antes da reforma trabalhista, ou seja, época em que não havia, em nosso ordenamento jurídico, norma a dispor sobre o procedimento a ser observado para dispensas em massa.

Como se sabe, apenas em 2017 entrou em vigor o artigo 477-A da CLT que dispõe: "As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação".

A dúvida que surge, e já divide opiniões, é se a tese fixada tem data de validade em 11/11/2017, quando entrou em vigor o novo artigo consolidado, ou se a decisão do STF indica, por si só, que a lei atual possui intrinsecamente uma inconstitucionalidade.

A favor desta última corrente, cito a reflexão do meu sempre orientador professor Renato Rua de Almeida: "A decisão de ontem do plenário do STF com repercussão geral sobre a despedida coletiva é paradigmática. Implicou na revogação tácita e parcial do artigo 477-A da CLT. Definiu que a despedida coletiva sem negociação prévia é abusiva nos termos do artigo 187 do Código Civil trazendo como consequência a obrigação de indenizar nos termos do artigo 927 do Código Civil".

Em sentido contrário, argumenta-se que o Supremo não teria levado em consideração a regra em vigor por se tratar de caso a ser analisado sob a égide da lei anterior que, como dito, simplesmente era omissa, daí a busca de uma interpretação a partir de princípios constitucionais.

Não por suspeição, mas por concordância, parece que a opinião do meu querido professor deve prevalecer, pois a tese fixada pelo STF vai além do texto legal em vigor, já que este apenas fixa que não há necessidade de autorização prévia sindical para a dispensa em massa ser válida e nem celebração de norma coletiva, lembrando que o acordo coletivo ou a convenção coletiva somente são firmados após uma negociação coletiva em que se chegou ao resultado final, com pacificação do conflito coletivo trabalhista.

A tese, ao exigir apenas intervenção sindical prévia, deixa evidente que tal requisito de validade da dispensa em massa constitui uma terceira espécie, que não se confunde com autorização nem celebração de norma coletiva.

E sendo certo que a conclusão do STF levou em consideração os princípios constitucionais que regem a matéria — e a Constituição é a mesma até aqui —, não há lógica em entender que após a nova lei aqueles valores constitucionais deixaram de nortear o tema.

Parece, portanto, que o procedimento estabelecido pelo Supremo exige a deflagração de negociação coletiva, pouco importando o resultado desta negociação. Daí, por óbvio, o provocativo título da coluna. Trata-se de uma necessidade de conversa sem compromisso com resultado. Uma terapia coletiva para se cumprir a etapa do procedimento a fim de se resguardar de futura alegação de nulidade.

Nasce, portanto, uma nova dúvida: se no caso concreto o diálogo foi apenas para cumprir o requisito, sem real intenção de negociação, haverá nulidade? Como será possível aferir este elemento volitivo? Quais os requisitos objetivos para entender que a negociação foi séria?

Claro que a intervenção sindical é salutar, abrir o diálogo sempre é saudável quando se está diante da iminência de um conflito coletivo trabalhista. A questão central, a meu ver, é a debilidade de um sistema que necessita chegar até a mais alta corte do país para simplesmente se garantir a abertura de negociação entre os interessados.

Antes de comemorar o resultado, e acreditem, já defendia que nosso ordenamento jurídico deveria evoluir para a necessária negociação coletiva antes da dispensa, conforme artigo publicado na Folha de S.Paulo, lamento que estejamos ainda num patamar de atraso tal que precisemos ancorar em decisão judicial o que deveria ser natural nas relações trabalhistas.

Fruto, penso, das décadas de intervenção estatal do corporativismo de Getúlio Vargas com uma pitada de lesão à liberdade sindical de nossa atual Constituição (unicidade sindical, conceito de categoria por lei, enquadramento etc.).

E, descrente da construção dependente de intervenção judicial para um modelo efetivo de negociação coletiva, a intervenção sindical prévia pode, brevemente, se tornar apenas na terapia indicada no título: a empresa provoca o sindicato dos trabalhadores, faz uma ou duas rodadas de "tentativa" de negociação e realiza a dispensa em massa com o requisito preenchido.

Talvez esteja sendo pessimista, mas a história do Direito do Trabalho no Brasil, recheado de suportes judiciais, traduziu uma fragilidade na construção real de um movimento sindical forte, representativo e efetivo que, só 74 anos após o advento da CLT conseguiu, por exemplo, terminar com a contribuição sindical compulsória (antigo imposto sindical). E contra a vontade dos sindicatos...

De qualquer forma, estabelecido está o novo requisito para validade das dispensa em massa: intervenção sindical prévia. Agora só falta uma coisa: definir o que é uma dispensa em massa.

Não, não é uma piada de mau gosto. A verdade é que ninguém pode estabelecer, com segurança, o que é uma dispensa em massa no Brasil, simplesmente porque não existe regulamentação quanto à matéria.

Claro que interpretações não faltam para suprir esta lacuna, que variam da análise de ordenamentos jurídicos estrangeiros a conceitos doutrinários, tudo muito razoável e justo.

O problema é o empregador, que precisa dispensar mais de um empregado, saber se está diante de uma dispensa em massa ou não, a iniciar pelo fato de o único artigo legal que temos sobre o tema, o conhecido 477-A da CLT, utilizar nomenclatura diversa da tese do STF, já que menciona dispensas individuais, plúrimas e coletivas, e, não, "em massa".

A única certeza, portanto, é que dispensar um único empregado é uma dispensa individual. Talvez nem tanto assim, pois dispensar individualmente em sequência pode, sim, acabar configurando uma dispensa plúrima ou coletiva, a depender do intérprete.

E se não bastasse isso, também precisamos confessar que não sabemos qual a consequência jurídica da inobservância do novo requisito estabelecido pelo Supremo: nulidade da dispensa? Direito a reintegração? Por quanto tempo? Em qual posto de trabalho se a empresa fechar? Apenas indenização? Qual o valor da indenização? Indenização por dano coletivo? A favor de quem? Indenização para cada empregado dispensado? Qual o critério?

Tanta produção jurídica, portanto, parece estar levando, diante da ausência de regulamentação, a conclusões populares: dispensa em massa é dispensar muita gente; intervenção sindical prévia são dois dedos de prosa; se não fizer vai ter que pagar caro ou receber o povo de volta.

A esperança, como não deve sair lei tão cedo sobre o tema, é o próprio STF, quando julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.142, que questiona o artigo 477-A da CLT, fixar todas essas questões para balizar a conduta dos jurisdicionados.

Ao frigir dos ovos, creio que empregados e empregadores desejam apenas saber como devem agir e, como visto, não é fácil entender como se portar corretamente na área trabalhista... haja terapia!

 é juiz do Trabalho no TRT-RJ, mestre e doutor em Direito pela PUC-SP e membro da Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho (ABMT).

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2022-jun-14/trabalho-contemporaneo-stf-terapia-sindical