A reforma trabalhista pode diminuir a qualidade das vagas oferecidas para pessoas com deficiência para o cumprimento de cotas de contratações obrigatórias.
Isso porque não há consenso entre especialistas a respeito da possibilidade de pessoas com deficiência serem contratadas na modalidade intermitente (por dia ou por hora).
Nesse modelo, o trabalhador pode ter contratos com mais de uma empresa ao mesmo tempo –um único empregado poderia cumprir a cota de pessoas com deficiência em mais de uma companhia.
Por lei, empresas com mais de cem funcionários devem manter em seus quadros de 2% a 5% de profissionais com deficiência. Mas esse patamar já era descumprido mesmo antes da reforma trabalhista.
Em 2015 (dado mais recente disponível), havia 376 mil pessoas com deficiência empregadas, mas, se a cota fosse cumprida corretamente, esse número seria de 724 mil.
Jaques Aber, sócio da consultoria iSocial, especializada em recrutamento de pessoas com deficiência, alerta para o risco de empresas verem no trabalho intermitente uma forma mais barata de cumprir a lei.
"A maioria das empresas ainda enxerga a contratação da pessoa com deficiência como um custo. A partir do momento em que existe a possibilidade de uma modalidade de trabalho intermitente, isso pode se traduzir em ameaça real", afirma.
A procuradora do trabalho Sofia Moraes, da Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho, disse em evento para executivos que o Ministério Público do Trabalho ficará atento a casos em que a inclusão não for efetiva (caso alguém com deficiência tenha um contrato intermitente, mas não seja chamado, por exemplo). |
"Contratar pessoas com deficiência apenas na modalidade intermitente pode até configurar uma discriminação."
O Ministério do Trabalho afirmou, via assessoria de imprensa, ainda não ter uma definição a respeito do tópico.
A pasta diz que, entre janeiro e agosto do ano passado, foram aplicadas 3.381 multas em empresas que não cumpriam as cotas, totalizando R$ 142 milhões.
DIVERGÊNCIAS
Entre advogados, a questão gera divergências. Carlos Eduardo Vianna Cardoso, sócio da área trabalhista do Siqueira Castro, afirma que, como a reforma não faz nenhuma ressalva ao uso do intermitente para cumprir cotas, sua contabilização é possível.
Mihoko Kimura, sócia na área trabalhista do escritório TozziniFreire, acrescenta que impedir pessoas com deficiência de serem contratadas nesse modelo poderia prejudicá-las, ao diminuir suas possibilidades de emprego.
Por outro lado, Raquel Amaral, do Rosely Cruz, considera que o intermitente não deve ser contabilizado nas cotas. "Entendo que a lei fala em cargos preenchidos efetivamente."
Fonte: Folha de São Paulo, 15 de janeiro de 2018