Leandro Henrique Costa Bezerra
O etarismo sofrido por Demi Moore e Cláudia Ohana revelam a ineficiência de políticas públicas para promoção da igualdade de oportunidades para a pessoa idosa no mundo do trabalho.
A indicação, para a edição de 2025 do Oscar, do filme "A Substância"1, estrelado pela atriz Demi Moore, e o protesto da atriz Cláudia Ohana, a qual segurou um cartaz na avenida Paulista em São Paulo com a frase "Nós não estamos velhas aos 62"2, denotam a vulnerabilidade da população idosa para efetivação de seus direitos e de participação de círculos sociais, a exemplo de ausência de oportunidades no mundo do trabalho, o que torna a situação ainda pior para mulheres idosas, visto a interseccionalidade entre o gênero e a idade, na perspectiva da jovialidade como sinônimo de padrão estético necessário para ingresso e manutenção no trabalho.
Dados do Censo 2022 do IBGE revelam que o número de pessoas com 65 anos ou mais de idade chegou a 10,9% da população3, diante da redução da fecundidade e a progressiva inversão da pirâmide etária no Brasil4. Contudo, o aumento populacional não impede a discriminação da pessoa idosa - prática conhecida como idadismo, ageísmo ou etarismo, tipificada como crime previsto no art. 96 da lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso), com pena de reclusão de 6 meses a 1 ano e multa. Esse preconceito decorre de estereótipos negativos ou vieses inconscientes que associam erroneamente a menor produtividade ao avanço da idade.
Em pesquisa realizada pela Stato Intoo, 44% dos entrevistados acreditam que profissionais mais velhos são resistentes a mudanças e 24% sugerem que eles não trazem ideias inovadoras5, tendo por consequência a perpetuação de uma cultura organizacional de não inclusão etária de profissionais e de preterição da pessoa idosa em promoções.
Nessa linha, é dever do Estado a instituição de políticas públicas para promoção da igualdade de oportunidades da população idosa no ambiente do trabalho, com horários e organização de tarefas adequadas às condições físicas, intelectuais e psíquicas da pessoa idosa trabalhadora bem como a ampla oferta de capacitações relativas às suas atividades funcionais, nos termos do art. 1º, II e III e 230 da CF/88; art. 26 do Estatuto do Idoso; art. 18 da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos (aplicável por força do art. 8º da CLT); Convenção 111 da OIT, sobre discriminação em matéria de emprego e profissão; Convenção 190 da OIT, sobre eliminação da violência e assédio no mundo do trabalho (aplicável por força do art. 8º da CLT); e ODS 3 e 10 da Agenda 2030 da ONU, sobre saúde e bem-estar e redução das desigualdades.
De acordo com dados extraídos do sistema informatizado6 do Ministério Público do Trabalho, foram recebidas 41 e 149 denúncias relativas a suposta discriminação por idade no ambiente do trabalho em 2022 e 2023, nessa ordem, o que representa um aumento de 263,41%. Em 2024, o número de denúncias na temática foi de 152, mantendo-se em patamar elevado. Auferem-se razões para maior número de denúncias percebidas pelo órgão ministerial, quais sejam: maior engajamento da sociedade civil para envio de denúncias e fortalecimento de campanhas, a exemplo da fixação, no calendário anual do Ministério Público do Trabalho, da Conferência sobre pessoa idosa trabalhadora com intuito de reunir especialistas para debater sobre envelhecimento saudável, direitos da pessoa idosa, saúde mental e trabalho digno.
A Política Nacional do Idoso, vigente por meio da lei 8.842/1994, estipula a garantia ao envelhecimento com respeito e autonomia, a fim de impedir a discriminação da pessoa idosa e sua participação no mercado de trabalho. Entretanto, percebe-se uma ausência efetiva de política pública que garanta à pessoa idosa sua empregabilidade ou manutenção no emprego, em razão do Estado não fornecer benefícios fiscais a empresas que adotem programas de diversidade etária bem como da não realização de ações de conscientização sobre as vantagens da diversidade geracional para o ambiente de trabalho.
Dessarte, a garantia da participação social da pessoa idosa trabalhadora pelo Estado Democrático de Direito abrange sua inclusão e respeito no mundo do trabalho, com fomento de políticas públicas que instituam mecanismos na gestão organizacional das empresas de combate ao etarismo, a partir da ressignificação da rejeição etária pelo compartilhamento de experiências profissionais. Vale lembrar que denúncias relativas à suposta violência em face da pessoa idosa, inclusive no meio ambiente laboral, são recebidas pelo Disque 1007, feitas por qualquer aparelho telefônico, além do canal disponível na página eletrônica do Ministério Público do Trabalho8. Nessa senda, Demi Moore e Cláudia Ohana não estão sozinhas na luta pela igualdade de oportunidades.
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1 Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/oscar-2025-confira-a-lista-completa-dos-indicados/. Acesso em 30 de abril de 2025.
2 Disponível em: https://www.estadao.com.br/emais/gente/nao-somos-velhas-aos-62-claudia-ohana-faz-protesto-contra-etarismo-e-ganha-apoio-de-famosas-veja-nprec/ Acesso em 30 de abril de 2025.
3 Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/38186-censo-2022-numero-de-pessoas-com-65-anos-ou-mais-de-idade-cresceu-57-4-em-12-anos Acesso em 30 de abril de 2025.
4 Apesar de a pesquisa fazer referência à faixa etária a partir dos 65 anos, sabe-se que pessoa idosa é aquela com idade igual ou superior a 60 anos, conforme o art. 1º da Lei nº 10.741/2003.
5 Disponível em: https://esginside.com.br/2025/02/21/estudo-stato-intoo-mackenzie-revela-que-773-dos-entrevistados-veem-colaboradores-mais-velhos-como-confiaveis-mas-44-apontam-resistencia-a-mudanca-no-trabalho/ Acesso em 30 de abril de 2025.
6 O sistema informatizado do MPT, intitulado de GAIA, permite a pesquisa de denúncias por ano, tema, regional e CNPJ da empresa. Membros(as), servidores(as) e estagiários(as) do MPT possuem acesso irrestrito ao sistema, com possibilidade de solicitação dos dados do GAIA pela sociedade civil por meio da Ouvidoria.
7 Saiba mais sobre o Disque Direitos Humanos - Disque 100, serviço do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, conforme previsto no Decreto nº 10.174, de 13 de dezembro de 2019, destinado a receber demandas relativas a violações de Direitos Humanos: https://www.gov.br/pt-br/servicos/denunciar-violacao-de-direitos-humanos Acesso em 30 de abril de 2025
8 Veja o canal virtual de denúncias do Ministério Público do Trabalho: https://mpt.mp.br/pgt/fale-com-o-mpt Acesso em 30 de abril de 2025.
Leandro Henrique Costa Bezerra
Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região.