OPINIÃO

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O presente e modesto artigo, em formato de opinião, poderia ter um outro aspecto, vale dizer, trazer para reflexão de todos notícias melhores ou, quando muito, de reduzido impacto aos interesses jurídicos dos beneficiários do Regime Geral de Previdência Social.

Percebe-se que mesmo em cenário pandêmico, de triste contexto nacional e mundial, de forma voraz, preferiu o gestor previdenciário arquitetar outro momento da operação conhecida como "pente-fino", alicerçada nas Leis nº 8.212/1991 e 13.846/2019.

Dentro da perspectiva da permissibilidade normativa nada há para se comentar, sobretudo pela legalidade estrita e constitucional que deve se inspirar todo ato natural da Administração Pública.

Do mesmo modo, quanto ao esperado efeito pedagógico que visa a neutralizar atos fraudulentos na concessão de prestações, bem como na manutenção, motivo esse digno de aplausos.

Inobstante os fatores que bem apoiam essa nova fase de apuração administrativa, é bem verdade que, sob outras óticas, a operação "pente-fino" merece debate.

Oportuno o registro do momento pandêmico a que tudo e todos estão submetidos, sem escolhas, vítimas de uma viralização global e sem precedentes na história da humanidade, tendo superado e muito a famosa gripe espanhola de 1918 [1].

Assim, o contexto mundial demanda cuidados, prevenção, meios e modos de acautelamento de todos, promover a saúde, educar a sociedade, minimizar o contato e os efeitos, enfim, traços esquecidos pelo gestor previdenciário em mais uma etapa da operação pente-fino previdenciária.

Anunciou-se há poucas semanas essa nova fase, que visa a atingir cerca de 1,7 milhão de brasileiros beneficiados, que deverão exibir documentos comprobatórios que legitimem a manutenção do benefício, sob pena de sua suspensão e cessação [2].

Como se não bastasse, em meio a tudo isso, discute-se o início da atividade médico-pericial do INSS, o que não aconteceu ainda, cujo retorno ao atendimento e plena funcionalidade está longe de ocorrer como se espera [3].

Registre-se também que as filas de casos represados, a ausência de concursos públicos, a aposentadoria e o afastamento de vários servidores sem a reposição imediata ou sequencial, além do contexto pandêmico, sem esquecer das recentes novidades oriundas da reforma previdenciária, de 13 de novembro de 2019, através da Emenda Constitucional nº 103, as visíveis crises econômica e política que assolam o país acabam por inserir o trabalhador brasileiro em um caos institucional completo, de pouca funcionalidade do sistema previdenciário, mas que ainda assim arquiteta nova fase fiscalizadora.

Em recente estudo do CNJ, em seu relatório periódico que analisa as atividades do Judiciário nacional, apurou-se que a judicialização das questões previdenciárias aumentou e muito nos últimos anos, corroborando o notório atraso funcional da autarquia e seus deletérios efeitos a seus filiados.

Apurou-se, neste sentido que: "A Justiça Federal registrou aumento de 52% no número de novas ações que envolvem Direito Previdenciário, como o reconhecimento de aposentadorias e benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em um período de três anos. Só na Justiça Federal estão 6,7 milhões de processos em tramitação, com destaque para Rio Grande do Sul, São Paulo e Paraná, que concentram 38,6% do total. Em Brasília (DF), tramitam atualmente 74,2 mil (1,1%) processos de Direito Previdenciário, todos na Justiça Federal, visto que não há comarca estadual. Especialistas apontam ainda que a judicialização contra o INSS deve aumentar com a reforma da Previdência, promulgada em novembro de 2019 [4]".

Está mais do que evidente que o cenário não é dos melhores e nem era antes do início da pandemia global.

Logo, o momento demanda uma maior sensibilidade, de toda a sociedade, já que o tempo atual é de destacada excepcionalidade, desejando sacrifício coletivo em busca por dias melhores.

Nesta toada, de igual forma o aspecto funcional da Previdência, expressão constitucional também da dignidade humana, por diversos fatores, notadamente pelo seu papel subsistencial, em outras palavras, de nítido caráter alimentar.

Mostra-se desproporcional, desarrazoada e inoportuna uma nova etapa da operação "pente-fino" em tempos de crise, além das demais situações aqui anteriormente descritas, não podendo inserir o sofrido trabalhador brasileiro em um planejamento que inverte valores e o coloca em posição de investigação, na contramão do que se espera de qualquer sistema previdenciário, de modelo constitucional e apoiado nas premissas do bem-estar, algo que o liberalismo econômico ainda não apagou ou conseguiu apagar do vigente modelo jurídico.

Nesta direção, Jorge Luiz Souto Maior acentua que:

"É inegável que a Constituição brasileira preservou as bases do modelo capitalista, no entanto, não o fez a partir de uma ordem jurídica liberal. O sistema jurídico constitucional fixou como parâmetro a efetivação de valores que considera essenciais para a formação de um desenvolvimento sustentável, vale dizer, um capitalismo socialmente responsável a partir dos postulados do Direito Social [5]"

Com espanto, viu-se um notório discurso paradoxal, entre bônus e ônus, associado a um evidente e indesejado desleixo dos órgãos institucionais, responsáveis máximos em gerir o sistema de forma a promover, inserir e proteger sobretudo os mais necessitados e em tempos de crise, alocados em uma inversão de valores, sujeitos ao ímpeto fiscalizatório enraizado unicamente em premissas econômicas, distantes, há muito, da inspiração social a que se elegeu no horizonte de 1988, capaz de frear a operação, ou, quando muito sobrestá-la, no aguardo de que o gestor cumpra seu papel, sem maiores dilemas.

 é advogado, professor universitário, escritor, conselheiro da OAB-MG (23ª Subseção), membro da Rede Internacional de Excelência Jurídica, mestre em Direito Constitucional (FDSM) e pós-graduado em Direito Previdenciário pela EPD-SP e em Direito Processual Civil pela PUC-SP.

Revista Consultor Jurídico