OPINIÃO

Por  e 

A modernidade, a internet, as redes sociais, a velocidade com que as coisas acontecem atualmente, nos fazem esquecer do tempo. Fazem-nos não perceber o tempo das coisas e o tempo do Direito. Especialmente de 2010 em diante, a legislação brasileira em algumas áreas específicas sofreu profunda transformação, e a dinâmica ou velocidade com que as decisões são tomadas e os contratos firmados exigem do operador do Direito atenção ao tempo do Direito, ou ao tempo do exercício do Direito, qual seja, a eficácia do Direito no tempo.

Quantos contratos são firmados na velocidade da internet, ou seja, na velocidade infinita das redes, das opiniões públicas, ou das opiniões publicadas, que precisam ser revistas no tempo em que a eficácia do Direito permaneça.

Diante disso, propomos uma revisitação ao tema da prescrição e da decadência, ou de ambos ao mesmo tempo para que nós, aplicadores do Direito, fiquemos atentos para a melhor assessoria aos nossos constituintes.

Prescrição e decadência são institutos jurídicos que lidam com a eficácia do Direito no tempo. Ambos oneram o titular de um direito a exercê-lo dentro de um determinado prazo, para não perdê-lo. Prescrição e decadência existem para garantir segurança e estabilidade às relações jurídicas, evitando-se o prolongamento excessivo da incerteza sobre a possibilidade pelo titular do direito de exigi-lo.

Tratam-se de institutos similares, mas diferentes: de um lado, a prescrição é consequência da inércia sobre a possibilidade de exigir de outrem alguma prestação; de outro, a decadência é consequência da extinção do direito (potestativo) em virtude do não exercício pelo seu titular, sem que haja um dever correlacionado [1]. Na prescrição, o decurso dos prazos pode ser impedido, interrompido e suspenso a qualquer tempo e por qualquer interessado (artigos de 197 a 204 do CC), enquanto na decadência o decurso do tempo não pode ser impedido, interrompido e nem suspenso (artigo 207 do CC).

O que acontece em caso de rescisão contratual? Aplica-se um prazo decadencial ou prescricional? E de qual duração?

Os prazos decadenciais podem ser determinados pela vontade das partes ou pela lei [2]. Típico exemplo de prazo decadencial é o prazo para pleitear o direito de anular o negócio jurídico por causa de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. O artigo 178 do CC prevê que "é de quatro anos (..) para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado: I - no caso de coação, do dia em que ela cessar; II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico (ou seja por vício da vontade); III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade" [3].

Consequentemente, sempre que for diversamente pactuado contratualmente ou através de constituição em mora (artigos 394 e 397 PU do CC em geral e artigo 398 nas obrigações de ato ilícito), o Código Civil, ao prever a possibilidade de rescindir o contrato por inadimplemento de uma das partes (artigo 475 do CC), não estabelece nenhum prazo decadencial [4]"A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos". Aplicam-se, portanto, unicamente os prazos prescricionais.

Os prazos prescricionais são regulamentados pelos termos do artigo 189 do CC: "Violando o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os artigos 205 e 206". Vale, portanto, a observação pela qual há como se afirmar que todos os prazos estabelecidos pelo Código Civil são decadenciais, com exceção dos previstos pelos artigos 205 e 206.

O artigo 205 do CC contém a regra geral que fixa o prazo prescricional em dez anos, que deve ser aplicada sempre que não esteja diferentemente estabelecido pela lei e sempre quando houver lacuna normativa. Diversamente, o artigo 206 do CC, derrogando à regra geral, estabelece prazos específicos de um, dois, três, quatro e cinco anos, dependendo da natureza das pretensões tuteladas.

Vale a pena lembrar — enquanto se tratam de dispositivos temporários e transitórios ligados à existência da pandemia da Covid-19 — os artigos 6º e 7º da Lei nº 14.010 de 2020, que, respectivamente, dispõem (let.): "Artigo 6º — As consequências decorrentes da pandemia do coronavírus (Covid-19) nas execuções dos contratos, incluídas as previstas no artigo 393 do Código Civil, não terão efeitos jurídicos retroativos". E: "Artigo 7º — Não se consideram fatos imprevisíveis, para os fins exclusivos dos artigos 317, 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário". A citação é de jure, considerado que — dessa forma — o ordenamento mostra quanto seja preciso — mais uma vez — garantir a segurança das relações contratuais!

Mas voltando ao tema do prazo prescricional referente à rescisão por inadimplemento, a questão ainda não é assim pacífica e definida.

Desde a adoção do novo Código Civil de 2002, doutrina e jurisprudência debatem se é aplicável o prazo prescricional geral de dez anos (artigo 205 do CC) ou o prazo de três anos (artigo 206, §3° V do CC), conforme a formula "prescreve em três anos a pretensão de reparação civil", que, de fato, parece não distinguir entre responsabilidade extracontratual e contratual.

Antes de qualquer discussão, é importante lembrar o Enunciado 419 adotado na V Jornada de Direito Civil, promovida em 2011 pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Conselho da Justiça Federal, que estabeleceu que "o prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual". Em outras palavras, o Enunciado 419 frisou, e ainda frisa, que, não fazendo distinção, o legislador reserva um tratamento uniforme à prescrição para pretensão à reparação civil, seja contratual ou extracontratual.

Querendo citar unicamente as decisões jurisprudenciais mais recentes, é importante citar, em linha com o Enunciado 419, a unanimidade da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (relator ministro Marco Aurélio Bellizze) no REsp n° 1.281.594/SP, que, em 28/11/2016, interpretou o artigo 206, §3°, V, do CC de "forma ampla", considerando tanto a responsabilidade contratual como a extracontratual [5]. E, conseguintemente, reconheceu o prazo prescricional de três anos à demanda de rescisão por inadimplemento.

Em 2018, mudando de entendimento, no processo EREsp n° 1.280.825/RJ, em 27/6/2018, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (relatora ministra Nancy Andrighi), analisando a matéria, decidiu no sentido de que a pretensão de reparação civil contratual deve observar o prazo prescricional de dez anos. Em particular, a decisão surgiu com base em três considerações: 1) literal, ou seja, no sentido de que a expressão "reparação civil" não mencionaria de fato a responsabilidade contratual; 2) lógico-sistemática, o credor teria três pretensões decorrentes do mesmo inadimplemento contratual, portanto o prazo de dez anos seria mais adequado; e 3) isonômica, no sentido de que deve se diferenciar o tratamento (contratual de extracontratual), sendo que a responsabilidade extracontratual é dirigida a tutela de direitos absolutos e deveres validos erga omnes, enquanto na responsabilidade contratual os direitos e deveres das partes são relativos, valendo unicamente entre elas, e usualmente também para os terceiros em boa-fé.

Sucessivamente, em 2019, o julgamento concluído pela corte especial no dia 15/5/2019 deu provimento ao recurso acionado contra a decisão da 3ª Turma de 2016 (relator ministro Marco Aurélio Bellizze) e confirmou o prazo decenal, seguindo quanto já decidido pela 2ª Turma um ano antes.

Mesmo na frente dessa mais recente jurisprudência, de fato ainda não consolidada, a doutrina necessita ainda se pronunciar, em particular porque — pelos menos para os autores — cabem as seguintes dúvidas:

1) A expressão "reparação civil" não se refere necessariamente ao único conceito de responsabilidade civil: a exclusão da expressão responsabilidade contratual não é clara e nem explícita. Por que, então, o legislador utilizou uma tal expressão geral?

2) Talvez a expressão tenha sido cientemente geral (como outras expressões normalmente usadas em âmbito de ressarcimento e danos cíveis) exatamente para tratar uniformemente de dois institutos dentro da mesma esfera civil?

3) O legislador regulamentou de forma clara e explícita o prazo de cinco anos a prescrição da pretensão de cobrança de dívidas liquidas (conforme artigo 206, §5º, I: "A pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular") porque não quis distinguir de forma igualmente clara o tratamento referente ao assunto mais geral?

4) Ou seja, por que o legislador, ao disciplinar uma específica hipótese de prazo prescricional "contratual", não teve dúvida em discipliná-lo expressa e separadamente em outro artigo?

5) Ainda, por que o legislador do Código Civil de 2002 teria optado por um prazo prescricional de dez anos para as pretensões referentes à responsabilidade contratual, quando o Código de Defesa do Consumidor, de 1990, já se referia ao prazo prescricional de cinco anos para a pretensão de reparação dos danos causados ao consumidor por dano do produto ou do serviço (artigo 27 CDC)? Não se cria uma assimetria ou um tratamento mais desfavorável para o consumidor, a respeito da disciplina civil [6]?

6) Na dúvida, é cabível uma interpretação que aumente o grau de incerteza dos relacionamentos jurídicos, ainda que relativos? Considerado, evidentemente, o princípio constitucional da segurança jurídica atualmente consignado no artigo 5º, XXXVI, CF, cujo dispositivo categoricamente estabelece que a "(...) a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".

 

[1] MENKE, Fabiano. Artigo 207, em Comentários ao Código Civil, Saraiva, 2019.

[2] Os exemplos de prazos decadenciais previstos por lei - em âmbito contratual - incluem (entre os demais): o direito de escolha nas obrigações alternativas (artigo 252 do CC); o direito de reclamação por vícios redibitórios (artigo 445 do CC); o direito de anular o negocio jurídico por incapacidade relativa do agente (artigo 119 do CC); o direito de anular o negocio jurídico por causa de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores (artigo 178 do CC) etc.

[3] Em particular, o artigo 211 do CC dispõe sobre a decadência convencional, a qual poderá ser alegada em qualquer grau de jurisdição, não podendo o Juiz suprir a alegação. Quando a decadência é por lei, o prazo estabelecido é indisponível, e consequentemente não pode ser renunciada pelas partes e o Juiz decreta-la de oficio.

[4] Com exceção do direito de reclamação por vícios redibitórios, como estabelecido pelo artigo 445 do CC.

 é advogado, doutor em Direito Comercial Comparado e Uniforme pela Universidade de Roma La Sapienza (Itália) e doutor em Direito, summa cum laude, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Francisco de Assis e Silva é advogado empresarial, mestre em Direito e Filosofia e doutorando em Direito.

Revista Consultor Jurídico

Fonte: https://www.conjur.com.br/2020-out-16/marighetto-assis-silva-prazo-rescisao-contratual