Anúncio do ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França causou mal-estar no governo por não ter sido detalhado com a Casa Civil antes de ser comunicado à imprensa

Por Cristian Favaro, João Valadares, Matheus Schuch, Rafael Bitencourt, Valor — Brasília

Com as passagens aéreas 26% mais caras que na pré-pandemia e a perspectiva de que o preço deve continuar salgado para os consumidores em geral neste ano, quem quer ou precisa viajar de avião ficou animado com o programa “Voa, Brasil”, que envolveria a compra de passagens aéreas mais baratas. A boa notícia para os usuários, no entanto, pode demorar mais do que o previsto ou, até, nem sair do papel. O "problema" é que o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o governo federal ainda não recebeu detalhamento do Ministério de Portos e Aeroportos sobre o projeto.

No fim de semana, o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, afirmou, em entrevista, que um novo programa do governo iria possibilitar a comprar de passagens aéreas por R$ 200 para aposentados, estudantes que tenham Fies (Financiamento Estudantil) e servidores públicos com renda de até R$ 6,8 mil.

Ele havia estimado a emissão de 12 milhões de passagens aéreas anualmente. Seriam comprados assentos ociosos nas aeronaves para oferecer os bilhetes durante os meses de menor procura. O anúncio causou mal-estar no governo por não ter sido detalhado com a Casa Civil antes de ser comunicado à imprensa.

Logo na abertura da reunião semanal com os ministros, sem citar casos específicos, Lula deu uma reprimenda pública. Ironicamente, disse que autores de "genialidades" precisam compartilhar as ideias para criar ações de governo, não de ministros.

"É importante que nenhum ministro ou ministra anuncie publicamente qualquer política pública sem ter sido acordado com a Casa Civil, que é quem consegue fazer com que a proposta seja do governo. Nós não queremos propostas de ministros, todas as propostas de ministros devem ser transformadas em propostas de governo e só será quando todo mundo souber o que será decidido", afirmou Lula.

Após a reunião, Rui Costa reforçou o recado do presidente. “O presidente exaltou a necessidade dos anúncios serem de governo, não de ministérios. Por mais que uma ideia seja boa, é preciso pactuar com os demais ministérios”, disse.

Programa com passagem de avião a R$ 200 com crédito consignado da Caixa e BB

Em entrevista concedida nesta segunda-feira à CNN, o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, deu alguns detalhes sobre a ideia do programa com passagem de avião a R$ 200 .

Segundo o ministro, o programa conta com a ocupação de 20% dos assentos dos voos regulares que ficam ociosos na baixa temporada. A Caixa e o Banco do Brasil deverão oferecer o financiamento do bilhete com uma espécie de crédito consignado. As empresas aéreas ficarão encarregadas de “abrir esse espaço a mais” no site, chamando a atenção para o ‘Voa Brasil’, onde os passageiros enquadrados nas exigências poderão ser identificados pelo CPF.

Para França, o ‘Voa Brasil’ elimina o risco de crédito, “sem inadimplência”. “A única diferença é que essas pessoas têm uma renda garantida. Então, vai ter, neste caso, uma espécie de consignado, porque quando ela dá o ‘ok’, [o financiamento] vai ser descontado do valor do pagamento”. “Vamos começar, se tudo correr bem, ainda nesse segundo semestre”, completou.

França garantiu que a medida não envolve qualquer tipo de ajuda financeira do governo às empresas do setor, apenas a oferta de crédito ao passageiro que se enquadrar no programa. “O governo federal não entra com nenhum tipo de subsídio. Entra com a organização e o banco que vai, claro, intermediar, a Caixa ou o Banco do Brasil”.

Cada beneficiário, disse o ministro, terá direito a compra de duas passagens por ano com o desconto oferecido pelo ‘Voa Brasil’. A segunda passagem adquirida no ano poderá beneficiar um “filho” ou a “esposa”, exemplificou.

“Descobrimos uma obviedade que, durante esses meses [de baixa temporada], os aviões saem com 21% de passageiros a menos, vazios. Então, por que não comprar essas passagens e as pessoas voarem a R$ 200 ?”, questionou França. Os números de ocupação das aeronaves foram, segundo o ministro, fornecidos pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Como o foco é ocupar assentos vazios, o ministro considera que não haverá o efeito da meia entrada que é percebido nos cinemas e eventos culturais, onde quem paga a entrada “cheia” arca com um valor mais caro para financiar o desconto do público especial.

Segundo ele, os assentos ociosos podem representar a oferta de quase 12 milhões de passagens a R$ 200 a cada ano. Essas passagens estão concentradas no período que inicia em meados de fevereiro, passando por março, abril, maio até junho e, depois, de agosto a novembro.

França informou que o ‘Voa Brasil’ deve começar ocupando 5% da ociosidade dos voos comerciais. O percentual vai aumentar para 10% dos assentos vagos no primeiro semestre de 2024.

À CNN, o ministro informou que, “em paralelo”, discute como reduzir o preço do querosene de aviação (QAV) que representa cerca de 40% do preço do bilhete aéreo. Segundo ele, o preço do combustível no Brasil é o “mais caro do mundo”.

O que dizem as aéreas?

Procurada, a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) informou que “está acompanhando a proposta do governo para o plano de passagens aéreas e tem se colocado à disposição para contribuir”.

A associação ressaltou que, desde o início do ano, mantém “diálogo constante” com o Ministério de Portos e Aeroportos. O debate, segundo a entidade, envolve o cenário enfrentado pelo setor aéreo e “possíveis soluções para o crescimento do número de passageiros e destinos atendidos”.

A companhia aérea Azul disse avaliar como positiva a iniciativa apresentada. “A companhia está aberta e disposta a conversar sobre o projeto que vai beneficiar grande parte da população brasileira”, disse a aérea, em nota.