No último dia 16, com 293 votos a favor e 111 contra (veja como votou cada parlamentar), o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou requerimento de urgência para a votação do Projeto de Lei (PL) 895/2023, que estabelece novas punições contra invasores e ocupantes de propriedades rurais e urbanas.

Terça-feira passada (23), a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara (CCJC) aprovou texto de teor semelhante, o PL 709/2023, por 38 votos a 8 (confira quem votou e como). A votação foi em caráter conclusivo. Isto é, o projeto poderia ser enviado diretamente para o Senado, sem necessidade de passar pelo Plenário.

O texto aprovado, um substitutivo (veja a íntegra) apresentado pelo deputado e ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (PL-SP), proíbe pessoas condenadas por invasão de imóveis rurais e urbanos de contratarem com o poder público municipal, estadual ou federal; se inscreverem em concursos públicos e em processos seletivos para ocupar qualquer emprego público; serem nomeadas para cargos públicos comissionados; e receberem Bolsa Família e qualquer outro auxílio ou benefício federal.

Repercussão nos aluguéis

Foram dois momentos nos quais o governo se viu surpreendido pela ação oposicionista, que mais uma vez se ancorou na força da mais poderosa frente parlamentar do Congresso Nacional, a bancada ruralista. Nesse caso, no entanto, a proposta aprovada não apenas se aplica a propriedades urbanas como também se estende a situações envolvendo aluguéis. As penas fixadas pelo substitutivo, afinal, valem tanto para invasão de domicílio quanto para o chamado “esbulho possessório”.

Esbulho possessório envolve diversos meios empregados para a frustração do direito de propriedade, incluindo desde a invasão de um imóvel ou sua ocupação indevida até a recusa na devolução de imóvel alugado ou emprestado.

Mesmo considerando a proposta inconstitucional e já levantando a possibilidade de judicializar o tema, o governo tenta mudar os rumos do debate no âmbito legislativo. Para começar, informou ao blog o deputado Nilto Tatto (PT-SP), os 58 deputados petistas vão subscrever requerimento para que o PL 709/2023 seja apreciado em Plenário. O número é suficiente para atender à exigência regimental para esse tipo de recurso — 10% dos 513 integrantes da Câmara.

“Acredito que no plenário seja possível fazer um bom debate e com isso fazer alterações para não criminalizar os movimentos sociais, mas sim aqueles que invadem terras públicas, terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação”, afirma Nilto Tatto.

Questão indígena x MST

Uma das vozes mais ouvidas da bancada ruralista no Congresso, o deputado Alceu Moreira (MDB-RS) deixou claro para o blog que o alvo do projeto é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST): “O projeto está na esteira de outros projetos que nós estamos fazendo para estabelecer a identificação como crime de todos os atos de invasão de propriedade. Não quer dizer que uma grande parte deles não vá continuar invadindo propriedades porque uma grande parte do MST a única coisa que não deseja é terra. Ele é militante de esquerda, está embaixo da lona para fazer militância, não está interessado em terra”.

“Se o MST”, prossegue o parlamentar, “fosse um movimento de reforma agrária e fosse para dar terra para quem não tem, aí bastava, lá na fronteira do Rio Grande do Sul, pegar o peão de estância, as pessoas que têm vocação para a terra que estão lá e entregar a terra com critério. Hoje, em todos os critérios usados pelo atual governo, não tem nenhum critério que contemple quem tem vocação para a terra. O critério é a militância”.

Para o deputado, a tensão no campo aumentou durante o terceiro mandato presidencial de Lula. “Só neste mês foram 40 invasões em 15 estados diferentes. É algo assim inconcebível para um governo que sabe que a âncora que é capaz de segurar toda a economia é o agro. Aí ele assume o governo com revanchismo, com palavras de ordem contra o agro, por causa da posição ideológica do agro, e resolve levar na primeira viagem internacional um chefe dos sem-terra que eu não posso nem imaginar qual é o motivo do convite”, completa Alceu, referindo-se à incorporação de João Pedro Stédile, um dos coordenadores do MST, à comitiva que acompanhou Lula na viagem à China um ano atrás.

Corroboradas pela maioria conservadora do Parlamento, as percepções do deputado gaúcho mostram o tamanho do problema enfrentado pelo governo na área rural. De um lado, o MST protagoniza o “abril vermelho”, uma série de invasões e de atos públicos organizados com o objetivo de cobrar da administração federal maior agilidade e mais eficiência na concretização da reforma agrária. Do outro, o Palácio do Planalto se esforça, nem sempre com bons resultados, para ampliar sua base de apoio entre médios e grandes produtores rurais.

Já na visão da minoria de esquerda e centro-esquerda, foi o governo anterior — apoiado pela maior parte dos ruralistas — quem mais tensionou o campo, sobretudo contra os direitos territoriais dos povos nativos. Transformados em política de governo pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, o desrespeito a normas ambientais e a violação de direitos indígenas ficaram simbolizados na famosa frase do mesmo Ricardo Salles que assina o substitutivo do PL 709/2023: era a hora de “passar a boiada”, aproveitando o fato de a pandemia de covid-19 ter distraído a atenção das pessoas.

Dados do Ministério da Saúde e de outras fontes oficiais, reunidos pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), confirmam o aumento da violência durante os quatro anos da gestão Bolsonaro. Foram 1.133 casos de invasão e de exploração ilegal de recursos naturais contra 317 no período de 2015 a 2018. Os conflitos territoriais aumentaram de 61 para 407. Os assassinatos, de 355 para 651.

Vem mais por aí

Leve-se em conta que toda essa discussão não se esgota, como lembrou Alceu, nos projetos até aqui mencionados. O chamado pacote anti-MST envolve ainda:

PL 1198/2023, que aumenta as atuais penas de detenção para o crime de esbulho possessório (multa e um a seis meses de detenção) para multa e quatro a oito anos de detenção.

PL 4183/2023, que obriga todos os movimentos sociais a possuírem CNPJ, facilitando assim sua responsabilização por atos ilegais.

PL 3768/2021, que amplia a participação dos municípios nos processos de regularização de propriedades rurais.

PL 8267/2017, que institui mecanismos para retirada de invasores de propriedades privadas.

Defensores dessas propostas contam com um trunfo adicional para fazê-las avançar: a presidência da CCJC, ocupada por uma bolsonarista raiz, Carolina de Toni (PL-SC), que o Radar do Congresso aponta como a mais oposicionista de todos os integrantes da Câmara dos Deputados.

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AUTORIA

Sylvio Costa

SYLVIO COSTA Fundador do Congresso em Foco. Mestre em Comunicações pela Universidade de Westminster, na Inglaterra. Trabalhou como jornalista em veículos como Folha, IstoÉ, Correio Braziliense, Zero Hora e Gazeta Mercantil, entre outros, exercendo as funções de repórter, editor e chefe de reportagem. Ganhou, individual e coletivamente, mais de 20 prêmios de jornalismo e comunicação. É servidor concursado do Senado Federal, onde está lotado na TV Senado.

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