A relação de emprego possui um ciclo natural — admissão, vigência e, eventualmente, rescisão. Embora legítimo, o poder do empregador para romper o contrato não é absoluto, devendo observar limites constitucionais e legais. No entanto, o poder diretivo do empregador para decidir sobre o término do vínculo contratual não é irrestrito nem absoluto.

Isso porque, o exercício desse direito deve observar os limites impostos pela ordem jurídica, especialmente pelos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e do livre acesso à Justiça.

Nesse contexto, destaca-se uma situação que tem recebido crescente atenção da jurisprudência: a dispensa do empregado ocorrida em curto lapso temporal ao ajuizamento de ação trabalhista. A coincidência entre o exercício do direito de ação e o desligamento contratual tem sido interpretada, em muitos casos, como indício de retaliação ou de discriminação velada, com sérias repercussões jurídicas para a empresa.

Tal cenário impõe reflexão sobre os impactos humanos e jurídicos da ruptura do contrato. O trabalho, por sua natureza essencial, está intimamente ligado à dignidade da pessoa humana. A perda do emprego impacta não apenas a subsistência do trabalhador, mas também sua autoestima, seu reconhecimento social e seu equilíbrio emocional. Por essa razão, o ordenamento jurídico brasileiro impõe limites ao poder empregatício, vedando dispensas motivadas por preconceito, retaliação ou qualquer forma de discriminação.

A esse respeito, a Lei nº 9.029/1995 proíbe expressamente práticas discriminatórias para fins de acesso ou manutenção da relação de trabalho, incluindo a dispensa baseada em critérios como raça, sexo, estado civil, idade, deficiência, entre outros.

No mesmo sentido, a Súmula 443 do TST estabelece presunção relativa de dispensa discriminatória quando a rescisão contratual atinge empregado portador de doença grave que suscite estigma ou preconceito.

Justiça do Trabalho tem ampliado a interpretação

Embora a legislação não trate de modo expresso das ações judiciais trabalhistas como fator de proteção, bem como a súmula seja expressa a questões de doença, é comum que empregadores reajam de forma precipitada diante da iniciativa de seus empregados em recorrer ao Judiciário, promovendo a dispensa imediata sob o argumento de quebra de confiança ou de afronta institucional.

Tal conduta, contudo, vem sendo reconhecida pela jurisprudência como discriminatória, por violar princípios constitucionais fundamentais, bem como por interpretar de forma ampliativa o entendimento sumular, aplicando ao caso, deslocando o ônus de prova ao empregador, para que ele comprove a existência de motivo legítimo e alheio à iniciativa do trabalhador de buscar a tutela jurisdicional.

Em decisões recentes, verifica-se que nestes casos, a Justiça do Trabalho, inicialmente, analisa o lapso temporal entre o ajuizamento da demanda e a dispensa e, caso esse seja curto, não ultrapassando 50 dias, tem havido a incidência da Súmula 443 do TST, com a consequente inversão do ônus de prova.

Esse posicionamento ilustra que a Justiça do Trabalho tem ampliado a interpretação sobre o que configura dispensa discriminatória. Para as empresas, o risco vai além da reintegração: há possibilidade de condenação em indenizações por danos morais, repercussão negativa de imagem e maior exposição patrimonial.

Exemplo disso é o caso julgado pelo TST (Ag-RR: 0000637-08.2017.5.14.0141), no qual a dispensa ocorrida 40 dias após o ajuizamento da ação foi considerada discriminatória, resultando na reintegração do trabalhador, inclusive, salientando, “O TRT registra que o reclamante foi dispensado imotivadamente 40 dias após o ajuizamento de ação visando ao reconhecimento de direitos trabalhistas, assinalando que, nessa situação, recai sobre o empregador o ônus da prova de que a dispensa não teve caráter discriminatório”:

“AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI Nº 13.467/2017. REINTEGRAÇÃO. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA EM RAZÃO DO AJUIZAMENTO DE RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. DIREITO DE REINTEGRAÇÃO. Não merece provimento o agravo que não desconstitui os fundamentos da decisão monocrática pela qual se deu provimento ao recurso de revista do reclamante, pois demonstrado nos autos que a dispensa do trabalhador, em razão do ajuizamento de ação trabalhista contra a reclamada, configurou abuso do direito potestativo e constituiu dispensa discriminatória, nos termos da lei. Agravo desprovido.” (TST – Ag-RR: 0000637-08.2017.5 .14.0141, Relator.: Jose Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 08/02/2023, 3ª Turma, Data de Publicação: 10/02/2023)

Outro exemplo recente é a decisão do TST (RR: 99800-98.2008.5.21.0005) publicada em maio deste ano que negou provimento ao Recurso de Revista Banco do Brasil S.A., mantendo a determinação de reintegração de três advogados da cidade de Natal/RN, ante ao reconhecimento da dispensa discriminatória, em razão do ingresso de demanda trabalhista em face da instituição financeira:

“3. DISPENSA SEM JUSTA CAUSA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. REINTEGRAÇÃO. I. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no entendimento de que, nos moldes dos arts. 1º e 4º da Lei nº 9.029/1995, o rompimento do contrato de trabalho por ato discriminatório por parte do empregador enseja ao empregado a opção pela reintegração ao emprego. Adota-se, ainda, a orientação de que o rol previsto no art. 1º do referido diploma legal é exemplificativo, mormente diante do advento da Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que alterou o aludido dispositivo para incluir a expressão ‘entre outros’, após a enumeração de alguns tipos de práticas discriminatórias. II. No caso em testilha, o Tribunal Regional entendera estar comprovado o cunho discriminatório da rescisão contratual dos reclamantes em razão de terem figurado no rol de substituídos em ação ajuizada contra o Banco reclamado. III. Sendo assim, a par da discussão acerca da necessidade de motivação da dispensa bem como da necessidade de procedimento administrativo prévio segundo a norma interna da reclamada, certo é que, no caso presente, a partir dos fatos descritos, a rescisão contratual se deu como forma de retaliação ao exercício regular de um direito, o que configurou abuso do direito potestativo do empregador e caracterizou a dispensa como discriminatória, nos termos da lei. Portanto, ao manter a reintegração do autor, o Tribunal Regional decidiu em conformidade com o art. 4º da Lei 9.029/95 e com a jurisprudência desta Corte Superior, razão pela qual incidem o art. 896, § 7º, da CLT e a Súmula nº 333 do TST, como óbices ao conhecimento do recurso de revista. IV. Mencione-se que, estando a controvérsia circunscrita ao caráter discriminatório da dispensa e suas consequências, o caso concreto não se amolda à hipótese tratada no Tema 1022 da Tabela de Repercussão Geral do STF. […]” (TST – RR: 99800-98.2008.5.21.0005, relator.: Evandro Valadão, data de julgamento: 23/4/2025, 7ª Turma, data de publicação: 6/5/2025).

Além da possibilidade de reintegração do empregado que poderá ser determinada, a jurisprudência aponta, inclusive, para consequências severas em casos de dispensa considerada discriminatória, como a condenação em indenização por dano moral, como na decisão do TRT-3 (RO: 0011704-11.2017.5.03.0097), a qual inclusive, salienta, É incontroverso que o autor propôs ação trabalhista nº 0010030-95.2017.5.03.0097, cuja audiência inicial ocorreu no dia 3/5/2017, sendo que a dispensa ocorreu em 09/05/2017, apenas seis dias após a audiência inicial:

“DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. RETALIAÇÃO POR PROPOSITURA DE AÇÃO TRABALHISTA. DIREITO A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. O empregador que dispensa injustamente o seu empregado, como punição e retaliação pelo ajuizamento de ação trabalhista contra a empresa, ultrapassa os limites de atuação do poder diretivo e atinge a dignidade do trabalhador. Trata-se de ato discriminatório contrário aos fundamentos da dignidade da pessoa humana de direito ao trabalho digno, com restrições ao exercício regular de direitos consagrados pela Constituição Federal, como o direito de ação e acesso ao Poder Judiciário.”

(TRT-3 – RO: 00117041120175030097 MG 0011704-11.2017.5 .03.0097, Relator.: Emerson Jose Alves Lage, Data de Julgamento: 21/07/2020, Primeira Turma, Data de Publicação: 22/07/2020.)

Por outro lado, quando o desligamento ocorre após um lapso temporal razoável — geralmente superior a 60 dias após o ajuizamento da ação — e existem elementos objetivos que justifiquem a decisão, a presunção de retaliação tende a ser afastada.

Nessas hipóteses, o Judiciário exige do trabalhador prova robusta de que a dispensa teve caráter discriminatório, nos termos do artigo 818 da CLT, afastando a incidência da Súmula 443 do TST e a consequente inversão do ônus da prova.

Esse entendimento tem sido reforçado por decisões recentes dos Tribunais Regionais e do próprio TST (processos nº 0000645-92.2022.5.10.0020 e 2168547-20.2017.5.04.0029), nas quais se afastou a presunção discriminatória após intervalo superior a três meses entre a ciência da ação e a rescisão.

Cenário exige cautela

Diante desse panorama, é essencial que as empresas adotem uma postura cautelosa e estrategicamente orientada na condução de situações que envolvam empregados litigantes.

Evitar decisões precipitadas logo após o ajuizamento da ação, registrar adequadamente os motivos da dispensa — como avaliações de desempenho, histórico funcional ou reestruturações organizacionais —, aguardar, sempre que possível, um intervalo razoável após a instauração ou o desfecho da demanda e consultar previamente a assessoria jurídica são medidas fundamentais, sobretudo quando o vínculo empregatício ainda estiver ativo durante a tramitação do processo.

Importa lembrar que o direito do empregador de romper o contrato de trabalho de forma imotivada — o chamado direito potestativo — não é absoluto. Tal prerrogativa encontra limites nos princípios constitucionais e deve ser exercida com responsabilidade, sob pena de ensejar consequências jurídicas relevantes, como o pagamento de indenização por dano moral, a nulidade da dispensa ou até mesmo a reintegração ao emprego.

Assim, ao lidar com empregados que ajuízam ações trabalhistas ainda durante a vigência do vínculo contratual, o caminho mais prudente é o da análise criteriosa, ancorada em fatos objetivos e respaldada juridicamente.

A dispensa de empregados litigantes demanda especial cautela. Decisões precipitadas podem gerar reintegrações onerosas, indenizações vultosas e danos reputacionais. A orientação preventiva, com registros documentais e apoio jurídico, é a estratégia mais segura para preservar a empresa de riscos que muitas vezes superam em muito o custo de manutenção do contrato por período adicional.

  • é advogada da área trabalhista contenciosa do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

  • é estagiária da área trabalhista consultiva do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2025-out-12/o-risco-da-dispensa-discriminatoria-apos-acao-trabalhista-limites-e-cautelas/


guias.png 

Dúvidas? Fale conosco whats.png

A FETRACONSPAR É FILIADA À:

A FETRACONSPAR NAS REDES SOCIAIS

@fetraconspar    /fetraconspar
/fetraconspar       /fetraconspar
                   87390.png @fetraconspar

banner denuncie aqui.jpg