Investigação sustenta que ministro solicitava facilidades para sindicatos de MS em troca de apoio político em seu reduto eleitoral

Fábio Fabrini
BRASÍLIA

Relatório da Polícia Federal, obtido pela Folha, diz que integrantes do Ministério do Trabalho atropelavam exigências legais e fabricavam pareceres fraudulentos para atender pedidos do ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun.

A investigação sustenta que Marun solicitava por meio de sua chefe de gabinete, Vivianne Lorenna de Melo, facilidades para sindicatos de Mato Grosso do Sul, possivelmente em troca de apoio político no estado, seu reduto eleitoral. 

As demandas constam de mensagens trocadas pela assessora com servidores do ministério em maio deste ano, dias antes de a Operação Registro Espúrio ser deflagrada.

O então coordenador-geral de Registro Sindical, Renato Araújo, repassava os pedidos a uma aliada, Jéssica Mattos, que não tinha vínculo com a pasta. Os dois foram presos na primeira fase da operação, dia 30 daquele mês.

Mesmo sem ser servidora, segundo os investigadores, era ela a responsável por produzir manifestações consideradas pela PF como fraudulentas para entidades que “possivelmente ofereceram vantagens indevidas” a Marun. 

Num dos casos citados pela PF, Araújo envia à parceira cópia de email com as demandas da chefe de gabinete, nas quais ela solicita a concessão de um registro sindical para o Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário Federal e Ministério Público da União no MS (Sindjufe-MS). 

Na sequência, pergunta qual nota técnica ela estaria fazendo. Jéssica responde estar com o caso do Sindjufe, “quase pronto”. “Falta eu decidir o que escrever para justificar”, afirmou. 

Ela explica que o processo estava incompleto, pois faltavam publicações em jornais de grande circulação e no Diário Oficial da União (DOU).

“O teor do diálogo revela o que foi comprovado nesta investigação. As manifestações são ‘fabricadas’ de modo a atender interesses privados, com diuturna ofensa aos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade”, interpretou a PF.

“No caso sob análise, Jéssica admite que a entidade não havia cumprido requisito exigido pela legislação, mas que estaria pensando numa solução para atender à demanda de Vivianne”, acrescentou. 

Processos de emissão de cartas sindicais, inclusive para o Sindjufe, foram suspensos após a Registro Espúrio. 

A concessão desses registros é um ato que depende de análise objetiva sobre pré-requisitos previstos em lei. Se cumpridas as exigências, a pasta tem de deferir o pleito.

“Não há margem para juízo de conveniência e oportunidade acerca do deferimento do registro sindical”, diz a PF.

A PF pediu medidas de busca e apreensão contra a chefe de gabinete e Marun sob a justificativa de que cabia aprofundar as investigações para confirmar se os dois integram a organização criminosa.

O ministro Luiz Edson Fachin, relator do caso no STF, não autorizou as ações por entender que os indícios apontados eram insuficientes. A PF ainda analisa material apreendido com outros investigados e que, eventualmente, possa ter relação com o caso Marun. 

A suposta ingerência de Marun também foi assunto de mensagens do ex-ministro do Trabalho Helton Yomura —afastado na semana passada, na terceira fase da operação— e de seu chefe de gabinete, Júlio de Souza Bernardo, o Júlio Canelinha, preso temporariamente, mas já liberado. Eles trataram de pedido para que um despacho no DOU fosse revertido. 

O despacho prejudicava uma entidade de MS. Foi publicado, segundo a PF, para atender interesses do Solidariedade, um dos partidos com influência no ministério, mas desagradou o ministro. 

“Recebi isso agora do Marun. Dá para resolvermos isso?”, pediu Canelinha numa mensagem na qual encaminhava o DOU. “Dá, sim”, reagiu Araújo. 

OUTRO LADO

O ministro Marun, em nota, disse que os casos citados são encaminhamentos rotineiros de demandas que chegam. A articulação com entidades da sociedade civil, segundo ele, é competência da pasta que chefia. 

Certamente não houve qualquer tipo de contrapartida. Nem política, até porque, ao assumir a secretaria, renunciei expressamente ao direito de disputar as próximas eleições. Avalizo também como honesta a forma como os servidores da secretaria trataram a questão. É irresponsável quem faz qualquer ilação contrária a isso”, criticou.

Ele ressaltou que o pedido de atenção às demandas não ultrapassou disposição legal. “Diariamente encaminhamos demandas aos mais diversos órgãos da administração e não conheço o caso de qualquer uma delas que tenha sido atendida ao arrepio da lei.”

O coordenador-executivo do Sindjufe, Celso Neves, disse que nova diretoria assumiu em 26 de abril e não fez pedido a Marun. A Folhanão localizou as defesas de Jéssica e Araújo.

Em nota divulgada neste sábado (14), o Sindjufe informou que sua nova diretoria, ao tomar posse, “deparou-se com a fatídica constatação de que seu registro sindical ainda não havia sido obtido, em razão de pendências na documentação".

“A atual diretoria afirma que não solicitou e/ou ofereceu a quem quer que seja vantagem, favorecimento ou burla das disposições normativas para a regularização das pendências do seu registro sindical, e tampouco autorizou alguém que o fizesse em seu nome”, diz o texto.

O Sindjufe acrescentou que “repudia veementemente a utilização de meios escusos para o exercício de qualquer direito perante o poder público ou entidades privadas” e que se coloca “ao lado daqueles que, na sociedade civil organizada e nas instâncias do poder público, enfrentam e combatem a corrupção em qualquer de suas formas”.

REGISTRO ESPÚRIO

Em 30 de maio, a PF deflagra operação para desarticular organização suspeita de fraudar concessão de registros sindicais no Ministério do Trabalho. ​Entre os alvos, estava o deputado federal Paulinho da Força (SD-SP)

Em 12 de junho, o alvo foi a deputada federal Cristiane Brasil (PTB-RJ). Roberto Jefferson também é investigado

Em 5 de julho, também foi alvo o deputado federal Nelson Marquezelli (PTB-SP)

Fonte: Folha de S.Paulo, 16 de julho de 2018.